segunda-feira, 7 de junho de 2010

A família na pós-modernidade - uma instituição falida?


Há alguns anos conheci uma família tipicamente moderna: pai, mãe e dois filhos, dois rapazes. Família rica do ramo agropecuário, o pai começou a vida com parcos recursos, mas havia vencido nos negócios. Vencido aparentemente, pois havia uma profunda rotura nos relacionamentos familiares. Problema básico: predileção. A mãe, mulher firme em suas posições, desmanchava-se toda pelo caçula enquanto que o pai apostava suas fichas no mais velho, certamente por entender que a sucessão dos negócios seria coisa da alçada do primogênito.


Além dos sentimentos distintos entre aquele pai e aquela mãe – desde quando ainda eram solteiros, ambos também divergiam quanto ao princípio orientador de suas ações. O homem era orientado por princípios religiosos tanto em decisões pessoais, familiares, profissionais como sociais. A mulher, pragmática, dirigia sua vida e todas as decisões que tomava por aquilo que “funcionava bem” e que a fazia atingir seus objetivos.

Apesar de toda a segurança financeira que cercava aquela família e expectativas de um crescimento ainda maior a curto e médio prazos, uma trágica separação foi a causa da sua ruína. A antecipação de um pedido de herança pôs tudo a perder, dissolvendo os laços mais apertados entre a mãe e seu filho predileto, entre o jovem e seu pai. O rapaz saiu de casa e nunca mais foi visto pela mãe, nem mesmo por seu pai.

O relacionamento entre os irmão foi afetado; o mais velho sofreu distúrbios emocionais e nutriu desejo de morte contra pelo irmão. O caçula mudou-se para longe da família e recomeçou a vida do zero, longe dos recursos abundantes que seus pais dispunham. O pragmatismo daquela mãe não foi eficiente a ponto de fornecer-lhe ferramentas na antecipação de crises, na moderação de interesses, na solução de conflitos e o resultado você tomou conhecimento aqui.

Ao abrir a sua Bíblia em Gênesis 27 você poderá ler essa história na íntegra, com todos os detalhes e outros que certamente não notei. Pode parecer uma história dos nossos dias, e de fato é, pois não é raro as pessoas enfrentarem problemas tais. Os ingredientes da história estão todos ao nosso redor. Famílias existem desde tempos remotos e provavelmente elas ainda são a única instituição que funciona bem sem modificações de qualquer natureza; desde que foi criada no Éden ela existe e subsiste nos mesmos moldes.

Mas alguma coisa não fecha direito nessa conta. Famílias existem sim, mas funcionam? O relato que fiz mostra uma família que viveu há 4 mil anos cuja engrenagem já apresentava problemas. Podemos então entender que a família em todos os tempos apresenta problemas? O que é a família na pós-modernidade? O que é a pós-modernidade? Vamos começar pela última questão: O que é a pós-modernidade?

Alguns estudiosos têm datado o rito de passagem da modernidade para a pós-modernidade na noite de 9 de novembro de 1989, com a queda do Muro de Berlim, depois de 28 anos de existência. Tal evento seria o delimitador do fim de uma era de totalitarismos que deu acesso ao novo modo de estabelecer fronteiras, não mais pelos limites geográficos, mas pelos ideais tribais, onde cada tribo possui seus próprios sistemas de valores e crenças – via de regra relativos.

Absoluto é uma expressão herege no vocabulário da pós-modernidade. Enquanto no modernismo a verdade da religião cristã era atacada, no pós-modernismo vigora a negação da existência de uma verdade absoluta e persiste uma artilharia contra todas as visões de mundo estabelecidas. A verdade não é a questão. A questão é o poder.(1) Quando se diz que determinada premissa é verdadeira e válida, o pós-modernista pergunta: – Ela é verdadeira e válida para quem? O que é ou pode ser verdade para uns, pode não ser para outros. A relativização da verdade e dos absolutos capacita e dá poder a minorias antes excluídas. Esse é um postulado da pós-modernidade. Dessa forma são dissolvidos os antigos pólos de poder e criados novos nichos de resistência e a hierarquia é desconstruída e substituída pelas comunidades ou pelas tribos onde prevalecem os valores relativos.

Ao empunhar a bandeira da igualdade ou da exaltação das minorias, o pós-modernismo o faz em detrimento de valores fundamentais para sustentação das próprias relações sociais. Dizer que não há verdade absoluta abre as portas para tudo o que de ruim o ser humano puder conceber. Se não há uma verdade absoluta então eu posso cometer crimes, posso invadir propriedades, posso corromper e ser corrompido, posso desviar recursos. Quem dirá o que pode e o que não pode ser feito? Pode ser que para você isso soe amargo, ilegal, mas se não há um absoluto, vamos em frente!

A matéria que condensa a família em qualquer sociedade conhecida, dirigida por qualquer que seja seu sistema de valores é de natureza absoluta. Família é a comunhão entre pai, mãe e filhos e muito mais que isso. Família é participação e não partilha; família é relacionamento e não rejeição; família é a busca por alvos em comum e não caça de interesses pessoais ou individuais. Observe as famílias que, em todas as épocas, em todas as culturas, se saíram bem na arte de permanecerem unidas. A receita é a mesma, os valores são os mesmos, com uma pequena distinção aqui e outra ali. O tempo passa, os costumes mudam, mas o eixo em torno do qual gira a manutenção de uma família não varia. E do que é composto esse eixo?

Família são seres semelhantes, da mesma espécie, que se unem para procriar? Do ponto de vista biológico sim. Portanto, necessitamos irremediavelmente um homem e uma mulher; os filhos virão naturalmente. Fora desse tripé pai-mãe-filhos não existe família; procure outro nome que denomine um agrupamento diferente desse.

Família não é partilha, mas participação. Rebeca errou (e poderia ter sido Abraão ou um dos filhos) quando procurou seus próprios interesses e os interesses de Jacó. Ela recusou a participação dos demais integrantes de sua família nos rumos de suas vidas. Ela quis partilhar os bens e partilhou seu bem maior: a família.

Família não é rejeição, mas relacionamento. Até mesmo na natureza selvagem, entre os animais, é possível notar como vivem os bandos ou mesmo as famílias. Elas caçam juntas, migram juntas, vivem juntas. O diálogo, para a espécie humana, é o fio condutor dos principais relacionamentos. Na pós-modernidade ou em qualquer outro período é preciso estabelecer o diálogo como vínculo de solidificação dos relacionamentos familiares. Olhar nos olhos e dizer e sentir que foi compreendido.

A pós-modernidade procura a desconstrução da linguagem, relativizando o próprio significado dos discursos. O termo família pode significar pai-mãe-filhos para os cristãos – dizem – mas quem disse que “pai” significa para uns o mesmo que significa para outros? Tudo é relativo – dizem. Mas experimente trancar num quarto um casal homossexual e abrir a porta nove meses depois à procura de uma família. Enquanto “pai” significar o que diz o Aurélio, a família será feita à base de relacionamentos saudáveis, biológicos e naturais entre pai-mãe-filhos. Enquanto houver diálogo esse relacionamento perdurará.

Família não é a caça de interesses pessoais ou individuais, mas a busca por alvos em comum. Essa atividade comum à família na busca do interesse mútuo é tangenciada por considerações ou questões pragmáticas quanto aos alvos: O que estamos tentando fazer? Ou aos valores: Isso está funcionando da maneira que deve? Só a resposta a essas perguntas pode dizer algo sobre a validade da ação, da busca. Isso nos leva de volta à questão da necessidade dos absolutos: O que é bom para todos na família?

Quando questionamos sobre o que é melhor para o maior número de pessoas entramos numa das grandes questões da ética universal. Sabendo que a base filosófica do pós-modernismo é o existencialismo, é possível avistar a luz no fim deste texto. O existencialismo ou humanismo existencialista teve início no século XIX com o dinamarquês Søren Kierkegaard. A popularização ou massificação desse modo de ver o mundo e as coisas que nele há se deu após a Segunda Guerra, com os escritos dos franceses Camus e Sartre. O existencialismo humanista faz declarações tipo: A vida não tem qualquer significado; O ser humano foi empurrado para dentro dessa existência sem conhecimento de suas origens; Não existe deus acima do homem; O homem vale as idéias que descobre e os valores que adota; O homem é fundamentalmente miserável (2) entre outras “pérolas” do negativismo.

Essa forma de ver o mundo, essa filosofia existencialista é que empurra e sustenta o comportamento das pessoas na pós-modernidade. As pessoas na pós-modernidade não acreditam na vida, não têm interesse pelo semelhante, não parecem estar em busca de respostas à pergunta alguma. O isolamento, o afastamento e até mesmo o suicídio (que faz parte do discurso existencialista) são componentes do céu que cobre os simpatizantes da pós-modernidade.

A família, de fato, não é um projeto para pessoas assim. A família é uma arriscada aventura para os pós-modernistas e um risco para a pós-modernidade porque ela agrega, reúne, convida a juntar-se e promove VIDA! É preciso querer viver para pertencer a uma família. Veja as crianças que são abandonadas numa caixa de sapato, dentro de um latão de lixo. A TV divulga a notícia e logo aparecem famílias querendo adotá-la. Por quê? Porque ela não morreu: sobreviveu; não se isolou: chorou alto; não negou a existência de Deus: aguardou a providência que ele estava preparando. Nada sobrevive sem pessoas que crêem na vida e pessoas existem porque famílias existem.

Temos, então que mudar o título do capítulo: A pós-modernidade frente à família: uma instituição falida?

(1) Gene Edward Veith, Jr. Tempos pós-modernos. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 1999.
(2) Howard Mumma. Camus e o teólogo. São Paulo: Carrenho Editorial, 2002.

Artigo publicado na Revista Lar Cristão.

2 comentários:

  1. Uma reflexão muito necessária para os nossos dias.
    http://veja.abril.com.br/230408/p_092.shtml ... essa matéria da Veja é interessante. abraços!

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  2. estou escrevendo um trabalho sobre familia e a pos modernidade gostei muito desta visão, e da forma como temos visto est era de tantas transformações

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