sábado, 29 de dezembro de 2012

AUTORIDADE É PARA OS FRACOS - 2

O último texto sobre "autoridade" não me satisfez. Escrevi pouco sobre o que queria, de fato, enfatizar. Por isso a necessidade de avançar, insistir no tema.
Vejo a rarefação do cristianismo nessa sanha por autoridade como há na Igreja. Algumas delas, é bem verdade. Vejo muito pouco a Jesus e sobram perfis de líderes corporativos nas palestras; nem dá para chamar de pregação ou sermão a um discurso que destoa do que foi ensinado pelo Mestre da Galileia.
Jesus disse para termos autoridade sobre demônios e pecados. Os mestres modernos e pós-modermos ignoram isso, mas falam em autoridade sobre pessoas, equipes e líderes. Lembram mais a gerentes de venda de Consórcio Remaza querendo motivar equipes do que homens santos apontando o caminho para uma vida de desapego. Cansam.
De repente um batalhão de crentes avança orientado pelo desejo de liderar. Qierem liderar o mundo enquanto não resolvem a vida de um cônjuge e um parzinho de filhos. Não se fala outra coisa. Gostaria de voltar a ouvir sobre o fruto do espírito ("amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança", Gálatas 5.22) e como desenvolvê-los. Mas agora não dá, porque parte da Igreja está pautada pela agenda de valores estranhos ao Evangelho. O resultado são palestras ensinando religiosos a serem bons mundanos. "Bons" é por minha conta: religiosos orientados por valores mundanos não são maus religiosos nem bons mundanos. São fracos.
Quem são os fortes, então? Fortes não são os que se deixam levar pela inércia popular. Não se faz força para chegar ao erro e ao pecado: basta deixar-se levar. Pare de resistir e logo está lambuzado da sujeira: ela é o padrão do mundo.
É preciso esforçar-se - isso sim - fazer força para produzir valores legítimos, equalizados aos valores que encontramos na vida de homens e mulheres de fé. E é bom lembrar que fé em nada se parece com auto-sugestão nem com confissão positiva nem com autoajuda.
É preciso nos esforçarmo por virtudes e valores que privilegiem a vida pessoal modificada pelas boas Novas e pelos direitos do vizinho. É muito estranha essa preleção que ensina a conquistar o mundo lá fora e o nivelamento dos bons (seleção natural aplicada à sociedade), mesmo que para isso a família seja desintegrada e os direitos do meu semelhante sejam desconstruídos porque alguém se imagina "filho do rei".
Nada mais pobre do que essa prosperidade secular e poucas coisas são tão anticristãs como algumas mensagens ouvidas em certas igrejas.

AUTORIDADE É PARA OS FRACOS

Poucos temas despertam tanta atenção de evangélicos como a autoridade. Livros são escritos, congressos são realizados, DVDs são distribuídos, tudo com a finalidade de ensinar uma parcela de cristãos interessados a reconhecer, desenvolver e exercer sua autoridade nos mundos espiritual e físico.
Se você navegar pela TimeLine do Twitter de alguns pastores ou palestrantes, verá com que facilidade elaboram frases de efeito sobre autoridade. Vá a uma boa livraria evangélica e em cinco minutos você verá alguém que não consegue cuidar da própria vida, mas está inebriado pelo canto da sereia desse modismo, à procura de material sobre como se tornar um líder em umas poucas lições (lições dadas, muitas vezes, por gente que nada sabe sobre o tema; é bom que se diga).
Como conciliar esta tendência com a orientação dada por Jesus em Mateus 20? Vejamos o texto:

"Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja vosso serviçal".

Tenho grande dificuldade em enfatizar certas passagens da Bíblia em detrimento de outras; isso é desonestidade, em primeiro lugar. Está claro que a procura e o desejo de possuir autoridade espiritual é um desvio flagrante e equivocado do espírito do Evangelho, do espírito cristão. O desejo de ter autoridade, como a vemos estimulado na Igreja, é uma tentativa de igualar-se ao sistema vigente, a cultura corrompida e ao padrão de comportamentos humanos, contra os quais cristãos cuidadosos deveriam exercer sua influência, caso tivessem sido influenciados por Jesus e por suas palavras. Isso não ocorreu. Esses cristãos não conhecem as palavras de Jesus nem gastam tempo com ele a fim de serem influenciados.
Há umas décadas, parte dos cristãos entenderam que era preciso aproximar-se das pessoas de fora da Igreja para poder apresentar-lhes o Evangelho. Mas entenderam que também era preciso mostrar que a Igreja tinha algum atrativo: músicas com os mesmos ritmos, reuniões com a mesma dinâmica e... comportamento e linguagem semelhantes. O sistema e a cultura permaneceram corrompidos como sempre foram, mas a Igreja, ao baixar a guarda para legitimar e expandir seu discurso, permitiu que a influência de fora entrasse pela porta da frente, e os cristãos estenderam palmas e cantaram: "Hosana! Somos atraentes e parecidos!".
Não parou aí. Aqueles que foram atraídos para dentro a Igreja, como não viram diferença entre lá e cá, demonstaram pouca disposição em manifestar sinais mínimos de mudança comportamental: não houve conversão, mas convencimento. Por seu lado, alguns cristãos que "abriram suas mentes" para a aproximação, passado algum tempo deixaram de buscar almas e contentaram-se repartir os despojos, isto é, aquilo que trouxeram de fora: ambição, egoísmo, individualismo, sede de poder, empenho por autoridade, necessidade de auto-afirmação e uma gama de defeitos e vícios os quais não precisávamos em hipótese alguma.
As virtudes que percebo como essenciais e que marcaram toda a história da Igreja, as mesmas que grandes religiões perseguem, foram abandonadas por esta parcela da Igreja; hoje fazem parte de um museu da história dos fracos. Humildade, serviço, mansidão, submissão, amor, longanimidade, paciência, prudência. Quem quer isso? Quem quer ser conhecido por essas qualidades?
Jesus não enganou os cristãos durante toda a trajetória da Igreja nos últimos dois mil anos. O Evangelho não foi reeditado; ele é o mesmo desde o primeiro século. Desse modo, todo aquele que procura ler e entender a Bíblia como um todo orgânico e unificado, que não deturpa o sentido original das Escrituras e tem se aproximado de Jesus com reverência, colocando-se no lugar do discípulo diante do Mestre perceberá facilmente que a autoridade apregoada em nossos dias é para os fracos. Cristãos que cuidam de sua espiritualidade não são encantados pela sedução de viver conforme o modelo caído e em estado de putrefação, modelo perverso e enganador da cultura vigente. Há cristãos boquiabertos diante da possibilidade de serem poderosos, reconhecidos, autoridades nacionais (ainda que, repito, não entendam bem o que é isso).
Não quero essa autoridade ilegítima, condenada e denunciada por Jesus, contrária ao Evangelho e essencialmente anticristã. Procuro e busco o modelo deixado pelo Senhor e insisto em fazer dele o meu modo de vida. Esforço-me por ser servo; autoridade é para os fracos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Onde está Deus na violência de São Paulo?

Moro em São Paulo há mais de quarenta anos. A recente onda de violência na cidade de São Paulo, na Grande São Paulo e nas demais grandes cidades do país não é recente. É bom que fique claro, desde o início, que todos os dias, há décadas, morrem pessoas na cidade. Houve tempos nos quais foram registrados picos de violência. Há pouco tempo a cidade vizinha Diadema ficou conhecida como uma das cidades mais violentas do mundo. Após pressão (internacional, inclusive), o poder público interveio e hoje o quadro naquela cidade é bastante diferente.
Fora o registro histórico, há outro dado lamentável: a pressão e o aproveitamento político da situação. Esse é pior, porque não importam as vítimas civis e as baixas nos quadros da polícia (até hoje 92 policiais mortos em 2012): importa manchar a imagem do atual Governante, do atual Prefeito, dos atuais gestores. O interesse político, somado ao papel da imprensa (de serviço ou desserviço público), manipulam uma população desinformada e com baixíssimo (senão inexistente) senso crítico para avaliar dados e informações.
Mas neste breve artigo vou destacar outro agente, ou ausência dele, na atual situação. Falo de Deus. Antes, no entanto, quero voltar vinte e poucos anos no tempo, quando eu ainda era um dependente químico, usuário de drogas na cidade. Dos quinze aos vinte e quatro anos de idade (antes de tornar-me cristão em 1991) usei drogas, leves e pesadas, em casa de conhecidos e em público. Quando fazia em público, éramos eventualmente surpreendidos quando uma viatura fazia as regulares rondas. Ao vermos uma viatura, jogávamos bem longe o que tivesse à mão, temendo o que a polícia faria, pois seguramente ela faria algo com bastante rigor.
Recordo que algumas vezes saíamos de carro, e ficávamos circulando pela Marginal do Tietê de ponta a ponta, indo e voltando, fazendo uso de drogas, por falta de um lugar para ficar. A intenção era despistar a polícia. Mas se houvesse uma blitz (ou comando, como chamamos hoje), era um pânico só!
Bem diferente a situação de hoje. Usuários e bandidos hoje recebem a polícia à bala. Respondem grosseiramente quando são abordados, dão socos, são violentos. Quanta diferença!
Se você perguntar a que atribuo isso, tenho uma resposta na ponta da língua: faltou aos pais de hoje ensinar aos seus filhos, ontem, sobre Deus, em casa. Eu aprendi, desde os primeiros anos, a existência de uma hierarquia, imaginaria mas que funcionava: Deus, meus pais, os professores, meus amigos e eu. E hoje? Os amigos até importam, mas os professores têm sido agredidos nas escolas (particulares, inclusive). Os pais são ausentes, isso quando conseguem permanecer casados. E Deus? Deus não está na contabilidade da família de hoje e, portanto, não pode estar presente nem ser responsabilizado pela violência nossa de cada dia.
Eu vivi o dia a dia de violência na cidade de São Paulo, nas madrugadas, nas ruas, e a violência que vivi cessou ao encontrar-me com Jesus. E as pessoas de hoje? Deus não faz parte da rotina delas, em parte por negligência dos próprios cristãos. Deus não faz parte dos planos dos casais, nem da educação dos filhos, nem do cotidiano de grande parte da população. Foi isso o que a mentalidade desde o Iluminismo fez: pôs Deus para fora. O resultado foi esse que descrevi acima.
O que não foi percebido é que Deus permaneceu no seu lugar, onde sempre esteve. O homem fechou a porta, mas quem ficou para fora foi ele próprio. Para resolver o problema da "nossa violência", esse homem deverá bater à porta de Deus, voltar-se para ele e refazer a velha estrutura que estava funcionando bem, obrigado. E a ordem a ser restabelecida é: Deus, nossos pais, nossos mestres e nós... se sobrar alguém.

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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Reconciliação: uma mensagem para hoje

Fundada por por Selêuco c. 300aC, Antioquia tornou-se a terceira maior cidade do Império Romano. Antioquia foi importante ponto e rota comercial e tornou-se um influente centro do pensamento teológico, tendo nomes como Inácio e João Crisóstomo como bispos.

Havia ali farta diversidade no campo do pensamento. Dentro os habitantes, contava-se mais judeus em Antioquia do que em toda Jerusalém. O judaísmo predominante na igreja em Jerusalém impedia o amplo florescimento do cristianismo; mas em Antioquia havia sinagogas nas quais foi possível estabelecer vínculos com a nova religião. Soma-se o helenismo e cultura grega naturais na cidade de Antioquia, o culto ao Imperador, os elementos do gnosticismo, religiões asiáticas, chalatanismo babilônico e o templo de Apolo: o desafio não era pequeno.

Curiosamente foi em Antioquia onde os discípulos de Jesus foram, “pela primeira vez, chamados cristãos” (At 11.26). E um dos segredos que vejo para que isso acontecesse reside na mensagem de reconciliação ensinada por Paulo.

Revertendo o que Noé predisse milhares de anos antes, o Espírito Santo estava reconciliando consigo o mundo, etnias e classes sociais antes separadas. Vemos a conversão do cananita etíope (At 8); do semita Saul (At 9) e do jafetita Cornélio (At 10). Em seguida, em Atos 11, não mais um indivíduo, mas uma igreja entende o sentido plural de sua missão.

Paulo fala de reconciliação em quatro textos ao longo de sua obra: em Romanos 11 (sobre Israel), em 2Corintios, Efésios e Colossenses.

Rm 11.15: “Pois se a rejeição deles é a reconciliação do mundo...”.

2Co 5.18-20: “Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem [ou palavra] da reconciliação. Portanto, somos embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio. Por amor a Cristo lhes suplicamos: Reconciliem-se com Deus.”

Ef 2.15,16: “[...] na sua carne desfez a inimizade [...] para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela [a cruz] as inimizades.

Cl 1.19,20: “Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse, E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.”

A raiz grega da palavra reconciliar (apokatalassō) indica restauração, restabelecimento e cura. De fato as pessoas e a sociedade estão doentes. Quando um filho grita e estapeia sua mãe, quando um adolescente recebe a polícia à bala, quando um político eleito pelo povo desvia dinheiro que deveria ser usados na melhoria de vida de milhões de pessoas, estamos vendo o resultado da doença chamada pecado. Não gostamos mais dessa palavra; é obsoleta. Mas não há com ignorar seus efeitos diários em nossas vidas. Tapar o sol com peneira em nada ajuda.

A cura do homem é o que precisamos observar na expressão da nossa mensagem e missão diárias. A igreja deve curar as pessoas, não adulá-las. As pessoas estão separadas de Deus e para reconciliá-las, precisamos aplicar a Palavra que corta e opera, não uma filosofia ou promessa que ilude e mata.

Portanto, a mensagem da Igreja não deve ir ao mesmo sentido dos acontecimentos do seu tempo. Num ambiente que se separa de Deus matando o Salvador do homem, a igreja em Antioquia promovia a reconciliação pelo Evangelho, na prática missionária local e estrangeira. A igreja não pode ser uma alternativa cultural, ela deve ser a melhor – senão a única – opção espiritual: a única que reconcilia o homem com Deus.

“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. (2Co 5.17)
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Rhema: poder adicional?

Desde que foi publicado no Brasil o livro de Paul Yonggi Cho “A Quarta Dimensão”, em 1981, uma safra de livros, artigos, pregações, editoras, ministérios e muito mais tem surgido utilizando a palavra rhema. Com isso, praticamente uma “lenda gospel” se sedimentou em torno da suposta eficácia dessa palavra rhema.

Na página 43 ele diz que “Romanos 10.17 mostra-nos que o material usado para edificar a fé é mais do que simples leitura de Deus: “a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo”. Nesta passagem “palavra” não é logos, mas rhema. A fé, especificamente falando, vem pela pregação da palavra rhema.”

Jesus, chamado o Verbo de Deus (do grego Logos tou Theou) concordaria com essa declaração do autor? Vejamos.

Nos evangelhos, a palavra rhema aparece em

Mateus
12.36: “Mas eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado.”

Marcos 9.32: “Mas eles não entendiam o que ele queria dizer e tinham receio de perguntar-lhe.”

Lucas 2.17 (rématos): “Depois de o verem, contaram a todos o que lhes fora dito a respeito daquele menino.”

Lucas 2.50 (rēma): “Mas eles não compreenderam o que lhes dizia.”

João 5.47 (rémasin): “Visto, porém, que não creem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?” e

João 6.68 (rémata dzoēs aiōníōn): “Simão Pedro lhe respondeu: ‘Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna’.” Aqui com o significado de palavras de vida eterna.
  Note, em cada um dos versículos, que nada há de tão especial nessas passagens. A palavra rhema é usada em seu modo primário e nas variações gramaticais sem que qualquer indício de ação ou mesmo “geração de fé” ocorra.

Em língua portuguesa temos alguns léxicos, que são obras que trazem o significado das palavras conforme usados em seu contexto original. No caso, como eram usadas pelos autores que escreveram o Novo Testamento. No léxico de GINGRICH e DANKER1 lemos que rhema significa “aquilo que é dito, palavra, dito, expressão”. Esses foram os significados reais conforme usados originalmente. Os autores do Novo Testamento tinham essa compreensão a respeito da palavra rhema. Nada de especial ou excepcional com a palavra. Não se espera, em função disso, um detrimento da outra palavra grega, logos.

Portanto, não se pode imaginar a existência de algum poder sobrenatural que envolva determinadas expressões, ou esperar que a ocorrência de um milagre ou o rompimento de algum obstáculo espiritual ou natural ocorra simplesmente porque Deus deu a alguém “alguma palavra rhema” com esta finalidade.

A Palavra rhema é um dito como outro qualquer, como lemos no léxico e confirmamos nos evangelhos. Se há algo extraordinário acontecendo em nosso meio (e sabemos que há), isso se dá por soberania de Deus. Todos devemos saber isso, mesmo aqueles que não leem o grego. Para isto, se o leitor se der o trabalho de ao menos iniciar a leitura do Evangelho de João, verá que há uma expressão diferente usada pelo apóstolo para descrever a Jesus: Logos. Jesus é o Logos de Deus, a Palavra de Deus.

Ora, se o próprio Jesus inspirou ao apóstolo a descrevê-lo usando logos, por que deveríamos esperar que Jesus decidisse por um termo grego de menos importância ou eficácia? Se rhema fosse, assim, uma palavra tão poderosa como se pretende, acredito que João teria escrito:

“No princípio era o rhema. Ele o rhema estava com Deus, e o rhema era Deus”.

Veja se na sua Bíblia diz isso.



1 GINGRICH, F. Wilbur e DANKER, Frederick W. Léxico do N.T. Grego/Português. São Paulo: Edições Vida Nova, 1984.


sábado, 27 de outubro de 2012

O diabo do homem faz a Bíblia falar

"E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela". (Gênesis 3.6, ênfases minhas)

Todos conhecemos o relato da tentação. Nele lemos ter o diabo sugerido a Eva que o fruto proibido daria um conhecimento tal que não se tinha domínio. Deus, ainda segundo o diabo, omitiu conhecimento, poder e domínio que agora tinham o seu desvelamento tornados possíveis seguindo os rastros indicados pela serpente. Eva, então, viu, desejou e tomou para si o fruto, e o deu a seu marido. O conhecimento veio, mas não do modo como desejaram.
Quando era pastor em uma igreja aqui em São Paulo, durante a reunião com o grupo de jovens, um deles perguntou: "Pastor, por que a Bíblia não fala nada sobre grandes temas da humanidade?". Perguntei "Quais temas?". O jovem disse: "A construção das pirâmides, o advento de Hitler...".
A Bíblia, o texto sagrado dos cristãos, deveria ser usada somente para anunciar a salvação da alma. A mim parece ser este o eixo natural, o tema central já em Gênesis que segue até ao Apocalipse. O assunto da Bíblia é a salvação por causa da Queda descrita acima, e esta salvação é realizada em Jesus, que é amplamente anunciado em suas páginas.
Assim, o texto da Bíblia tem sua maior concentração nos assuntos pertinentes a salvação. Para o autor divino (Yahweh) e os autores humanos (sacerdotes, apóstolos, profetas e outros), a "humanidade" a quem a Bíblia se dirige, é a humanidade toda. A Bíblia registra grandes temas relativos à humanidade. Em outras palavras, todas as coisas necessárias ao conhecimento humano (eventos, histórias, pessoas, testemunhos etc.) e inerentemente relevantes ao universo religioso judaico-cristão, estabelecido e permanente há pelo menos seis mil anos, estão contidos na Bíblia.
No entanto, do Iluminismo para cá, a Bíblia tem sido atacada de todas as formas, usada indevidamente, acusada de todos os crimes, recusada por todas as declarações que faz. Mas ela está aí, aumentando a sua presença, sendo traduzida para novos idiomas e dialetos e sendo exportada para culturas que antes a rejeitavam.
Os ataques contra ela parecem não ameaçá-la: ninguém há que ofereça substituto ao modelo de salvação da alma humana como a Bíblia. Acusá-la de imprecisão científica? A Bíblia não é um livro de ciências; é um livro que trata da salvação, como disse. Ela tem erros nas informações geográficas? Seu assunto é a salvação. Há imprecisão historiográfica? Ela se ocupa da alma humana. Essas acusações não dizem respeito ao seu "negócio principal" e ela não faz concessões: seu foco é a salvação do pecador perdido.
Se o empenho do Iluminismo e da modernidade não afetaram a credibilidade da Bíblia, a outras correntes mais modernas ela parece ter envelhecido; sua proposta precisava de uma repaginada.
Com lentes inadequadas para enxergar as propostas anunciadas por seus autores supracitados, novas abordagens foram aplicadas na leitura do texto bíblico para "readequá-la" a mente moderna. Resumidamente, num continente impregnado pelo racionalismo cientificista, o programa de demitologização dos teólogos liberais não sobreviveu até aos nossos dias. Ela não abriu mão de suas histórias, ainda que parecessem míticas.
Já nos Estados Unidos, o próprio berço de ouro deu ocasião a aplicação de uma abordagem capitalista e consumista, para que ela falasse a linguagem do mercado; e foi criada a pobre Teologia da Prosperidade (e da saúde do corpo).1
Na América Latina, quando a massa pobre era a regra no continente, uma leitura libertária da Biblia (ou ao menos de alguns textos específicos), deu ocasião, primeiramente no seio da Igreja Católica e mais recentemente no meio evangélico, a Teologia da Libertação. Quiseram que a Bíblia declarasse sua opção pelos pobres, já que eram muitos. Quando conjunturas econômicas mais favoráveis avançaram, os evangélicos importaram dos Estados Unidos o que havia sobrado da Teologia da Prosperidade, seduzindo-a a prometer vida mansa, tal qual um gênio da lâmpada.
E assim a Bíblia tem sido sequestrada e usada. No cativeiro da cultura onde ela é feita refém, quem se aproxima dela com concepções ou conveniências próprias usam-na para fazê-la falar o que querem ouvir, o que é agradável aos olhos e o que é desejável entender. Tal qual o diabo fez, toda tentativa de fazer ou usar a Bíblia para uma finalidade estranha ao seu sentido particular, é uma tentativa diabólica.
Ela, no entanto, sobreviverá a cada um de nós preservando em suas páginas a mensagem para a qual foi planejada e escrita. E que bom que tem sido assim, que ela viva por si, até mesmo sem essa minha defesa.

1 Health and Wealth Gospel (Evangelho da Saúde e Prosperidade), Faith Movement (Movimento de Fé), Faith Prosperity Doctrines (Doutrinas da Fé e Prosperidade) ou Positive Confession (Confissão Positiva).

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Fala, que eu te escuto


O comportamento de muitos cristãos de hoje não endossa a fé que dizem sustentar. Aspectos que regem a prática cristã são encontrados, evidentemente, na Bíblia, e orientam atitudes simples e primárias como falar.

Um cristão pode se notabilizar pelos conhecimentos que tem, mas pode colocar tudo a perder se não moderar o seu vocabulário. Esse risco é previsto no Antigo e no Novo Testamento, mas como insinuei acima, muitos dos indicadores primários da fé cristã têm sido deixados para trás e substituídos por rotinas e expedientes das pessoas que não têm qualquer compromisso com a fé em Jesus Cristo.

Num texto clássico sobre o tema, Jesus advertiu: “Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá’, será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco!’, corre o risco de ir para o fogo do inferno” (Mateus 5.22). Essa orientação não caducou. Então vejamos o seu sentido. Jesus escolheu o termo grego Γακά (raká). Não sabemos o que ele significa, mas uma pesquisa nos ensina que raká, para os falantes daquela época, era um termo abusivo. Entre os seus significados mais prováveis estão: tolo, cabeça-oca ou mesmo burro.

Na sequência do versículo lemos “louco”. Aqui Jesus empregou o termo Μώρέ (Môré), outra palavra que pode ser traduzida por tolo, insípido ou insensato; considere que os cristãos são advertidos por Jesus a que sejam o contrário de insípido: sejam sal, e não insípidos.

Noutro documento do Novo Testamento, Efésios 4.29, Paulo diz: “Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que conceda graça aos que a ouvem”. Torpe é a tradução de σαπρός (saprós). Figurativamente ela transmite a ideia de mau, ruim, imprestável. No contexto de Mateus 7.17, onde Jesus fala dos frutos da árvore, ela significa podre.

E finalmente em Colossenses 3.8, a expressão “... abandonem todas estas coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem indecente no falar.” Essa “linguagem indecente” é a tradução de αισκρολογιαν (aiskrologian), uma junção de duas palavras para formar o que naqueles tempos era entendido por palavra indecente, obcenidade ou mesmo fala abusiva. Esta é a única passagem no Novo Testamento onde aparece aiskrologian.

Que devemos entender aqui? Que embora estejamos imersos numa sociedade que não zela pelo modo mais decente de expressar-se, que não faz qualquer esforço para ser gentil, educada e mesmo decente no uso da fala, essa tendência natural das pessoas que não professam a mesma fé que nós não pode engolir o nosso modo correto de falar, de agir e de nos mostrarmos na mesma sociedade. Chamar irmãos de “trouxas”, “imbecis” e “otários”, como vemos até mesmo em programas de televisão, não passa perto de qualquer padrão saudável no cristianismo bíblico. A inteligência do cristão deverá elaborar argumentos suficientemente fortes ao ponto de dispensar o uso de expressões chulas e vocabulário que possa ser equiparado a dos mais desprezíveis pecadores.

Para muitos isso parece difícil; mas seguramente é possível. Talvez seja esse o motivo porque Tiago dedicou boa parte de sua epístola (Tg 3.1-12), e mesmo o livro de Provérbios, a tratar da questão. O menor membro do corpo derruba a mais consagrada celebridade, mas o exercício persistente poderá ajudar a cada um de nós na eliminação de outros vícios que atrapalham o aprofundamento da mais simples espiritualidade.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Nada novo debaixo do sol

A barriga dita as decisões da cabeça

Das histórias que o Antigo Testamento conta, lemos sobre a tomada e conquista hebreia da Terra Prometida. Tomada? Conquista? Não houve tomada nem conquista. Josué conduziu o povo no avanço da invasão, mas após a sua morte, os hebreus, vindos do deserto, “acomodaram-se” entre os povos que lá estavam, sem luta armada nem confronto, como o Salmo 44.1-8 leva a crer.

A tarefa ficou inacabada por décadas e foi registrada em textos como Juízes 1.27-34. Aos poucos os hebreus ocuparam as terras e apropriaram-se da lavoura e dos rebanhos dos povos estabelecidos. Fizeram alianças com uns e submeteram outros à escravidão.

Todos precisavam comer, adultos e crianças, hebreus e cananeus. Os hebreus ignoravam o funcionamento da agricultura, pois no Egito trabalharam em olarias e a jovem geração que entrou em Canaã havia nascido no deserto, onde nada se planta e nada se colhe. Os cananeus, que ocupavam o território, conheciam os métodos agrícolas e confiavam a fartura na colheita aos deuses da terra. Os hebreus, então, logo se curvaram a Baal, deus da fertilidade, encarregado de enviar chuva, tão essencial a agricultura.

Isso é o pragmatismo, faz-se o que funciona, o que é necessário “agora”. E para isso, vale até mesmo celebrar alianças condenadas por Yahweh, o Deus dos hebreus. Em nome das necessidades básicas prementes, a traição ao estatuto recebido por Moisés no Sinai encontra justificativa: os fins justificam os meios. O ideário da nação sacerdotal não enche barriga e não paga as contas; então, viola-se a aliança de sangue que os unia àquele que os removeu escravos e os tornaria senhores da terra.

O resultado, quem leu o livro dos Juízes já conhece. A vida espiritual do povo tornou-se uma roda gigante: ora no céu, ora no limbo. Os altares e sítios idólatras foram os para-raios da assolação que não falhou, resultado previsto nos decretos que o próprio povo concordou em chancelar ainda no deserto. Ora, não conheciam a norma dita por Deus? “Sim, mas precisavam comer”, dirão alguns.

Num bate-papo com um pastor amigo, falando sobre ideologia partidária nas eleições e sobre como o povo não leva em conta os termos que regem cada partido, meu interlocutor, amigo, defendeu o povo que vota no candidato “que faz pelos pobres”. Não importa a ideologia assumida pelo candidato: é preciso saciar a fome acima de tudo. Refletindo sobre esta sua fala, não demorei a lembrar dessa época quando os hebreus, colocando suas necessidades acima da ideologia pagã, assumiram um compromisso que os levaria a uma era de trevas.

A experiência seria repetida séculos mais tarde, no período dos reis de Israel, e o Senhor enviaria profetas para reclamar a falta de conhecimento do povo como razão da própria ruína (Isaias 1.3 e outros). Tudo em nome do utilitarismo e do pragmatismo: é preciso comer, mas isso pode justificar tudo? O Diabo também pode servir pão, mas Jesus advertiu que “nem só de pão viverá o homem” (Mateus 4.4). Há valores que aos cristãos devem considerar inegociáveis.

Se a necessidade o pressiona, se a aparência do novo o atrai, cuidado: não há nada novo debaixo do sol. Nem mesmo o erro de envolver a si, a família, a cidade e a nação numa aliança que viola princípios bíblicos básicos e a ideologia do próprio Cristianismo. Se esse texto reflete o debate eleitoral? Sim. Se estou procurando induzir a um partido específico? Gostaria, mas se o leitor levar em conta a reflexão acima nas suas próximas escolhas importantes, já terei sido recompensado.

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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Tão burro quanto a jumenta de Jesus

Distorcer o sentido dos textos bíblicos não é so tarefa de gente mal intencionada, mas também desinformada. Com a finalidade de fazer os ouvintes crerem que a Bíblia é um “guia rápido para enriquecimento”, certos pregadores fazem verdadeira “reengenharia hermenêutica”. A hermenêutica orienta a aplicação do conteúdo do texto sagrado de modo adequado e honesto – prática que pouco interessa a quem está disposto a corromper o conteúdo das Escrituras.

Mas vamos a um fato. Vez ou outra alguém cita a passagem de Mateus 21, aquela clássica passagem que narra a entrada de Jesus em Jerusalém durante a festa. Como sabemos, Jesus faz a chamada “entrada triunfal” montado numa jumenta. A ocorrência havia sido profetizada por Isaias 62.11, tamanha a importância que da cena.

Os mal intencionados, para fazer de Jesus o “guru da prosperidade” afirmam ter ele entrado na cidade montado numa jumenta porque era o melhor veículo que dispunha. E acrescentam: “Se fosse nos dias de hoje, Jesus usaria uma BMW". Já ouviu essa besteira ou algo assim? O seu pastor já disse isso?

Pois bem, vamos revelar a “burrice” de quem pensa assim.

Em primeiro lugar, o espírito do Evangelho não é esse, digo, que o homem seja seduzido pelas riquezas. A Bíblia não estimula a isso. Nada mais longe da verdade. Pensar que as Escrituras orientam e até mesmo prometem/garantem riquezas e prosperidade a todos indistintamente equivale a dizer que os grandes nomes, os gigantes da fé do passado, foram muito desinformados. Paulo, Pedro, Agostinho, Wesley, Calvino, Lutero, Whitefield, Müller e dezenas de outros nomes nada souberam sobre essa proposta capitalista e mesquinha de fazer da Bíblia a chave para o aumento da renda e das posses. Quem pensa assim nunca leu um só parágrafo sobre a história da Igreja.

Em segundo lugar, é mais que burrice pensar isso a respeito da Bíblia, pois demonstra total desconhecimento sobre o seu próprio conteúdo. Eu explico: mil anos antes de Jesus, o rei Salomão já mantinha cidades-armazéns (isso, no plural: cidades) apenas para guardar os cavalos importados que trazia da Arábia e os carros de Guerra (1Reis 9.20). “Salomão possuía quatro mil cocheiras para cavalos de carros de guerra, e doze mil cavalos” (1Re 4.26). Essa quantidade absurda, Salomão usava para aparelhar o exército que herdou de seu pai Davi.

Se Salomão, que embora tenha sido um dos homens mais ricos da história, foi considerado por Jesus menor do que este, por que Jesus não usou algo melhor que uma jumenta? Se mil anos antes de Jesus, Salomão tinha recursos mais nobres, era de esperar que o próprio Jesus, o Messias esperado, fosse mais “esparto” que o antigo rei e “esnobasse” os incrédulos infiéis desfilando ao menos uma carruagem importada! Não foi isso o que aconteceu.

E por último, ao entrar em Jerusalém montado num jumento, Jesus desfez e frustrou propositadamente as expectativas erradas sobre a sua pessoa e missão. Os judeus, e alguns discípulos de Jesus, aguardavam um líder com motivações militares, um libertador forte, algo como o próprio Davi havia sido. Não foi o que aconteceu. O Reino de Jesus era de outro mundo e outra natureza e ele não alimentou expectativas erradas a esse respeito. Assim, em vez de montar um caríssimo cavalo árabe, coisa para “Salomões”, ele montou uma jumenta, mansa como ele mesmo. E com isso, ficou clara a natureza de sua missão.

Resta aos pregadores inconvenientes, que não lêem a Bíblia e ignoram o seu conteúdo, fazerem afirmações enganosas e levarem ouvintes interesseiros a crerem em discursos triunfalistas, de auto-ajuda, mas bem distante da verdade de Deus.

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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Platão, o profeta, estava certo

Em A República (Livro VII), Platão reproduz uma metáfora contida num diálogo entre Sócrates e seus interlocutores Glauco e Adimanto, irmãos mais novos de Platão. A metáfora é conhecida como a metáfora da caverna, mito da caverna ou alegoria da caverna e conta a situação de homens que nasceram e cresceram dentro de uma caverna, nada sabendo sobre o mundo externo. Esses homens ficam de costas para a entrada, presos, imóveis, e olham fixamente a parede do fundo da caverna, Nela são projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, e esses sons são associados às sombras. Os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.

Um dos prisioneiros consegue se libertar e avança na direção do muro. Ele o escala e consegue sair da caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e em seguida o mundo e a natureza, o sol, e as aves, enfim, tudo o mais. Mas um dilema se instala: se voltar e anunciar sua descoberta pode ser desacreditado, tido como herege, preso, espancado e morto. Vamos parar aqui.

O mito da caverna tem sido interpretado como uma metáfora para a situação daqueles que há séculos vivem e confiam na religião, a caverna. Todo conhecimento religioso é obtido a partir do empirismo, daquilo que percebemos com os sentidos e intuição, sem o saber científico. Muitos que estão privados do saber científico às vezes pensam que tudo sabem, que o conhecimento que possuem é suficiente para que entendam e expliquem tudo.

No mito da caverna os homens que lá viviam achavam que a realidade da caverna era a única realidade existente. É preciso romper com esse mundo fechado, ter coragem para fugir na direção da luz para descobrir o mundo real. No caso, entendia-se que a luz que projetava sombras distorcidas na parede era a visão que eles tinham da realidade, distorcida do mundo real. E isso não ocorre somente com os prisioneiros de Platão, mas também com os que negam o saber científico, com os que nada sabem e pensam que tudo sabem.

Mas... espere um pouco. Não é a mesma ciência que nos dá certezas e convicções? Saber apurado e sólido, livre das ilusões e mitos? É a ciência que nos faz ver o mundo como ele é à partir da... observação insistente, repetida, catalogada e interpretada à luz...à luz de quê? À luz daquele saber preso a Leis e Padrões e Métodos, nada fora daquilo que ela mesma usa para validar o próprio saber científico.

Assim, Platão esteve certo o tempo todo e pseudo cientistas tomaram de assalto o mito da caverna para atacar quem vive pela fé. Pois é a fé – e não a ciência – que leva o homem para fora do seu mundo, para encontrar-se com estados e realidades fora desse ambiente onde vive. O homem não sai da caverna porque tem certezas – sai da caverna porque crê haver algo além das luzes projetadas, sai porque crê haver muito mais do que aquilo que esteve observando todo o tempo. Não são os crentes, os religiosos, que acreditam e esperam viver um dia num mundo melhor, e até mesmo num céu lá fora desse mundo?

Penso que Platão estava realmente certo. A filosofia da época não queria muita intimidade com a religião. A ciência de hoje, a legítima ciência, nada tem com a religião; são campos de atuação distintos e não conflitantes. Dão respostas à perguntas que reclamam cada qual o seu domínio. Mas há pseudo cientistas entre a ciência e a religião, muitos infiltrados até mesmo nos domínios desta, e que tentam miná-la porque pensam que aqueles que conhecem uma luz mais intensa, mais forte que a luz do sol ao meio dia, trouxeram e mantêm ideias fictícias, ilusórias demais para um mundo seguro, científico e tecnológico como o mundo da pós-modernidade do século 21.

Platão, porém, além de filósofo, pelo jeito também foi profeta. Viva a fé!

"Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. Pois foi por meio dela que os antigos receberam bom testemunho. Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de modo que aquilo se vê não foi feito do que é visível". (Hebreus 11.1-3)

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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Nosso estranho modo de amadurecer

“Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino” (1Corintios 13.11).

Já notou como reagimos diante do amadurecimento? O adolescente, quando se dá conta da eclosão da primeira espinha, estremece apavorado não pela deformidade facial, mas só por imaginar que alguém poderá “confundi-lo” com uma criança. Embora não alcance bem o pedal do acelerador do carro, criança ele também não é mais: agora é a-do-les-cen-te, com todas as letras, e espinhas.

Depois se torna jovem, olha para as coisas dos adultos já quase “podendo” fazê-las livremente, mas ainda não pode. E desdenha a fase anterior, embora as espinhas insistam em fustigar sua epiderme.

Quando adulto, tudo muda. A confusão entre as fases é dissipada por um simples olhar. Está lá: é um adulto, está na cara, já sem espinhas. Segue a fase madura e com ela um estranho modo de ver as coisas. Já pouco importam as classificações, as definições e rótulos. Imagino que os muitos anos olhando no espelho serviram para sedimentar uma autoimagem e, com ela, a compreensão própria de cada fase anterior.

O homem maduro fica sem vergonha? Não, só fica ressentido de uma palavra mal dita, um excesso recente, uma risada mais escandalosa. Mas já não liga tanto para classificações. Elas eram coisas de menino, como o apóstolo Paulo categorizou. Coisas de meninos no tempo de menino; depois, novos modos de raciocinar.

Assim também é na formação espiritual e mesmo a intelectual. O tempo cuida de despir-nos das categorias: não importa classificar, rotular, endurecer-se a todo custo, para não parecer isso ou aquilo. A quem interessa descolar uma ou outra imagem? Se olhando para nós veem quem somos, não será preciso dizer, afirmar, fazer distinções. Penso que em circunstâncias normais, aquele que precisa definir-se “assim ou assado” é porque ainda tem sido confundido com “isso ou aquilo”. É aqueles que não conseguimos distinguir, se “é ou não é”.

Espinhas todos vão ter. Há quem queira vê-las logo no rosto, há quem lute contra a sua insistente permanência e há quem as deixe para trás, como coisas de menino.

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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Imitar a Paulo, em quê?

Paulo, de Rembrandt

Com certa frequência advirto os alunos no seminário a que considerem o contexto de um versículo antes de emitir uma opinião. Regra básica na hermenêutica bíblica. E como evita erros!

Considere isoladamente 1Corintios 11.1: "Sede meus imitadores, como tambem eu de Cristo". A partir dessa declaração paulina, muitos irmãos têm se admirado do apóstolo, que nesta situação apareceria como padrão de maturidade e comportamento cristãos a ser seguido. Fico imaginando quantas mensagens foram incrementadas com a exclamação: "Vejam a coragem de Paulo, recomendar a si como cristão". Mas teria sido essa a sua intensão? Paulo estaria chamando para si a responsabilidade de tornar-se o paradigma da fé cristã para toda a Igreja ao longo dos últimos dois mil anos? Vejamos que diz o contexto.

No capítulo anterior ele tratava da liberdade do cristão, onde encontramos outro versículo clássico ("Tudo me é lícito, mas nem tudo convém"). Sua liberdade esbarrava na questão dos pratos oferecidos a outros deuses nos cultos pagãos. O cristão maduro, Paulo argumenta, deve privar-se de sua liberdade em favor dos mais fracos.

Nenhuma prática deve limitar-se ao simples prazer pessoal, quer eu beba, quer eu coma (v. 31). Se Paulo escrevesse isso hoje talvez incluísse em seu argumento coisas como ouvir rock, vestir determinadas roupas, frequentar certos ambientes, quem sabe? A maturidade de consciência de alguém não pode tornar-se impedimento ou escândalo a que outro chegue à fé, quem quer que seja. Nem judeu, nem grego, nem os próprios cristãos (v. 32). Hoje ele se preocuparia com etnias, minorias, guetos e tribos, sem esquecer-se da grande mídia.

Esse foi o cenário da declaração de Paulo. Após aconselhar a seus leitores ele disse agir assim: "Também eu procuro agradar a todos, de todas as formas. Porque não estou procurando o meu próprio bem, mas o bem de muitos, para que sejam salvos" (v. 33). Paulo construiu todo o argumento e agora está se encaminhando para o arremate, dizendo que não usou do seu direito à liberdade quando a questão envolve a consciência e mesmo a salvação de outros. E por que ou baseado em que ele faz isso? Por causa do exemplo que viu em Jesus. Onde? Em toda a sua vida e morte. A própria morte do Senhor demonstrou que Ele pensou na nossa salvação, e não em si.

Em Filipenses 2.5ss., por exemplo, Paulo usou o mesmíssimo recurso ao dizer: "Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se". E por que Jesus fez isso? Pela nossa salvação, em nosso benefício.

Esta é a situação na qual o apóstolo fez a declaração que temos discutido. Se eu fosse parafrasear a citação, teria algo assim: "Não pensem somente em si, mas considerem também os outros, os que podem ser alvos da salvação. Cristo pensou assim ao encarnar-se e eu O imito. Façam a mesma coisa: sejam meus imitadores, como eu também imito a Cristo".

É a esse comportamento e preocupação que Paulo diz para que o imitássemos; mas não a toda a sua vida. Evidentemente que concordamos ser ele um grande apóstolo, talvez o mais expressivo. Sua vida é, para nós, de grande inspiração. Mas guardadas as devidas proporções, ele mesmo disse não ser perfeito.

Coisas que queria fazer por saber ser o certo, não conseguia. O que queria abandonar por saber ser errado, não tinha êxito. E mais, se Paulo estivesse dizendo para que o imitássemos em tudo, teríamos aqui a primeira crise da história da Igreja, a base bíblica para a divisão, um pecador igualando-se ao próprio Jesus, aquele incomparável Homem a quem verdadeiramente devemos procurar imitar, esse sim, em tudo.

Portanto, considerando as pessoas à nossa volta, façamos como Paulo, refletindo de que modo nossos atos podem contribuir com o fortalecimento da fé alheia. Vamos imitar a Paulo nisso e a Jesus em tudo!

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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Uma perspectiva que você deve considerar

Imagine as seguintes situações.

Situação 1. Você está em um incêndio. O bombeiro consegue chegar até o local para resgatá-lo e ele dá orientações básicas para você sair do prédio sem sofrer queimaduras. Você seguiria as instruções? Sim ou não?

Situação 2. Seu médico diz que você tem uma doença comum, mas ela é fatal; se não tratar terá morte na certa. Ele receita o tratamento, que tem cobertura do Governo e não terá custo, mas você precisa readequar seus hábitos alimentares e padrão de vida. Você faria o tratamento? Sim ou não?

As perguntas que fiz são retóricas. A resposta para cada uma delas é o “sim”.

O Cristianismo tem sido esvaziado do seu papel principal, que é apresentar a Jesus Cristo como aquele que dá a orientação ao paciente para que este decida ou não pelo tratamento. Jesus mesmo usou a metáfora do médico que veio para salvar doentes, e não os sadios: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.” (Mt 9.12)

Estamos todos doentes, individualmente, coletivamente. As pessoas estão doentes, os grupos estão doentes, as estruturas e instituições que formamos estão corrompidas. Os processos e mecanismos sociais se decompõem no vício.

Quanto a Jesus, o que ele fez, sabemos: morreu na cruz para trazer salvação e deixou o Evangelho, a Boa Nova. Qual o papel do Salvador? Salvar. E para isso dá orientações básicas, receita o tratamento. O que ele quer com isso? Salvar, salvar a nós – diga-se de passagem. Nós é quem estamos sob risco, no ambiente em chamas, e doentes, com os dias contatos. Não ele.

E o que decorre disso? Decorre que tudo o que as Escrituras dizem, dizem para o nosso bem: “Nossos pais nos disciplinavam por curto período, segundo lhes parecia melhor; mas Deus nos disciplina para o nosso bem, para que participemos da sua santidade.” (Hb 12.10; ênfase acrescentada). A Bíblia traz o receituário de Deus para o homem e este pode ou não seguir suas instruções, simplesmente. Seguindo-o, a salvação virá, primeiro individualmente. Depois na coletividade, com grupos melhores, com instituições melhores, com uma sociedade melhor. Não estou, com isso, dizendo que Jesus é marxista; o foco é o homem, mas há desdobramentos.

A salvação também não virá pelo que fizermos, pois ela já existe e está disponível. Aceitar os pressupostos dessa salvação é a atitude esperada. O caminho para sair seguro do ambiente em chamas existe e quem o seguir as orientações viverá. Assim, a salvação não vem pelo esforço, mas pela mudança no rumo, no acerto do caminho já existente, no ajuste dos procedimentos para a manutenção da vida. O caminho foi criado, preciso percorrê-lo. O procedimento foi estabelecido, preciso adotá-lo.

Portanto, se a Bíblia descreve o papel de Jesus como Senhor e Salvador, cabe a nós a percepção dessa verdade e uma mudança para o nosso próprio benefício. A Deus nada muda se rejeitarmos a sua oferta de Salvação. A nós, entretanto, faz toda a diferença, a propósito, uma vida inteira de diferença.

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terça-feira, 19 de junho de 2012

“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade”. (2Timóteo 2.15)

Você tem certeza do seu chamado no Corpo de Cristo?
Seus obreiros estão na posição certa dentro do ministério?
Como você foi treinado para servir na obra de Deus?

Da mesma forma que o corpo humano é integrado por diversos membros e cada um possui a sua própria função, a Igreja – o Corpo de Cristo – também é composta por membros que diferem uns dos outros nas suas atividades.

Há quase duas décadas trabalhando com irmãos e obreiros que querem servir ao Senhor, o Pr. Magno Paganelli tem identificado a falta de orientação que muitos cristãos sofrem quanto à função que devem exercer no Corpo de Cristo. Isto o tem levado a dar cursos, palestras e a escrever sobre o assunto.

Foi assim que nasceram alguns de seus livros, como Qual a Sua Função no Corpo de Cristo. A obra deu origem ao curso que você tem em mãos e também a alguns cursos produzidos por igrejas locais. Além disso, o seu conteúdo foi adotado por faculdades e seminários teológicos de renome, como o Seminário Teológico do Sul do Brasil e Faculdade Betesda.

Neste curso, o participante irá identificar os talentos que possui, será desafiado a descobrir e desenvolver sua vocação ministerial, a identificar quais são os seus dons espirituais e ministeriais. Por meio de exercícios e testes práticos desenvolvidos por uma equipe ministerial experiente, será auxiliado a encontrar o foco do serviço que o Senhor espera para uma atuação frutífera no Corpo de Cristo.

Contatos: magnop@terra.com.br ou editora@arteeditorial.com.br

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A igreja de Corinto desembarcou no Brasil

"Nós somos tolos por causa de Cristo, vós, porém, sois prudentes em Cristo. Nós somos fracos, vós fortes; vós sois honrados, nós somos desprezados" (1Co 4.10).

A igreja em Corinto apresentou muitos problemas e de diversas naturezas. Problemas morais, doutrinários, éticos, de educação, de respeito, entre outros. Em sua primeira carta àquela comunidade, Paulo empenhou muito esforço na tentativa de recolocá-los nos trilhos por conta dos problemas deles, já que na segunda carta seu maior esforço foi defender sua própria autoridade como apóstolo.

O versículo acima foi escrito quando Paulo lidava com duas questões específicas. Uma, o orgulho ufanista dos coríntios. A outra, a pretensa sabedoria alegadamente possuída por eles. Os corintios orgulhavam-se de algum bem ou situação social confortável, o que fica claro na ironia de Paulo no verso 8: "Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós reinastes!"

Está claro o deboche do apóstolo, ainda mais à luz do próprio versículo 10 transcrito acima. O experiente Paulo seria tão ingênuo assim que teria sofrido os males para que somente os corintios pudessem colher os bens? Ora, isso não é cogitado, Paulo sabe que se algum bem tão valioso pudesse ser desfrutado pelos cristãos, ele seria um dos primeiros, senão o primeiro, a ter ciência e a desfrutar.

O outro problema é a alegada posse de alguma misteriosa sabedoria, algo que os coríntios passaram a crer e do qual orgulhavam, mas que não estava alinhado ao que o apóstolo ensinava. Provavelmente a igreja tinha permitido a invasão de conceitos gnósticos, sincréticos, ocultistas até. Uma alegada doutrina que Paulo também está combatendo, especialmente a partir do versículo 6, quando diz para "não ir além do que está escrito".

Não se sabe a que texto ou fonte o apóstolo está se referindo; a pesquisa recente não responde a isso. O contexto e, novamente, a ironia é que revelam o desprezo de Paulo pela suposta revelação misteriosa, "a chave espiritual" que abrira aos coríntios a porta dos mistérios espirituais. Que tolice! Paulo desdenha a tudo isso.

A situação estabelece um abismo entre os espirituais de Corinto e os missionários que trouxeram o evangelho. Eles se consideram sábios, fortes e honrados, enquanto os apóstolos são fracos e desprezados (G. Brakemeier).

Como se descolássemos a cena da Ásia Menor e a transplantássemos na América Latina, a Igreja no Brasil tem grupos que se identificam com os coríntios nos mesmos problemas. Há quem pense ter descoberto no evangelho o toque de Midas, que a tudo transforma em ouro e riquezas vindas do dono do ouro e da prata. E também temos por aqui os novos sábios, que de repente descobriram uma chave hermenêutica que invalida tudo o que foi ensinado até aqui, nos últimos dois mil anos.

Tenho comigo que o apóstolo não mudaria a sua maneira da tratar o problema, caso desembarcasse por aqui. Ele continuaria irônico, sustentaria a sua situação com as próprias limitações e não mudaria a sua mensagem. Ele já havia preparado a sua defesa, quando antecipou-se dizendo ser "servidor e mordomo dos mistérios de Deus" (v. 1), indicando que "o que se requer dos mordomos é que seja encontrado fiel" (v. 2), já que "o Senhor trará à luz as coisas ocultas e revelará os desígnios dos corações" (v. 5).

Aí, então, será visto quais são os tesouros legítimos e a verdadeira sabedoria vinda de Deus.

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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Nosso templo, nosso orgulho, nossa ruína

"E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje" (Mt 11.23, ARC).

Cafarnaum era um pequena, porém, próspera cidade praticamente às margens do Mar da Galileia. Era uma cidade geograficamente estratégica pela proximidade com uma fonte assim, tão vasta em água, e por estar na chamada rota do incenso, produto manipulado no sul pelos árabes e comercializado no norte, na atual região da Síria.

A sinagoga de Cafarnaum era o marco da prosperidade local. Dois indicadores apontam para isso. O primeiro era o material do qual era feita a sinagoga. Ao contrário da pedra escura, quase preta, das casas da cidade, a sinagoga de Cafarnaum fora edificada de uma pedra clara (vide foto acima), seguramente importada por seus habitantes, importação financiada por ilustres moradores orgulhosos de suas doações.

O segundo indicador é a posição na qual a sinagoga se situava em relação às demais edificações locais. O ponto mais alto das moradias de Cafarnaum atingia no máximo a altura do piso da sinagoga, ou seja, como sede religiosa a sinagoga se destacava e se impunha na paisagem local, informando a presença de uma comunidade rica, supostamente abençoada e protegida por Deus e, portanto, no caminho certo e seguro de uma vida espiritual sólida. Essa é uma boa expressão do que a sinagoga transmitia: a segurança do povo de Cafarnaum que, por sinal, era o orgulho da cidade.

Jesus destacou tal segurança num de seus discursos ali, mas o fez por um viés negativo. O versículo que citei acima, "Cafarnaum... que te ergues até aos céus", aponta para a grandiosidade da sinagoga, como também o seu luxo. A confiança depositada numa instituição, mais que isso, numa edificação (um prédio), para nada serve; ainda hoje é assim. E como temos repetido esse erro apegando-nos e recorrendo aos mesmos expedientes? As igrejas evangélicas nos últimos anos redescobriram o caminho e a receita da suntuosidade estética da religião e não têm medido esforços para registrarem seu poderio por meio de suntuosos edifícios, até mesmo copiando o expediente usado em Cafarnaum de importar pedras (como a história se repete!). A parte inicial da zona leste em São Paulo que o diga! Parece que esse compromisso com a aparência é um vírus difícil de vencer, ao menos em alguns grupos cristãos que contabilizam boa arrecadação.

Por outro lado, a palavra dada por Jesus orienta-nos que nada mudou: a confiança na aparência, na estética, na suntuosidade não levará o homem até aos céus, como já pensavam os construtures de Babel, outra edificação que representou o orgulho e igualmente arruinou o gênero humano. Edificar em nós uma casa para o Senhor é a proposta mais segura para uma vida cristã. O menor sinal de confiança no mais discreto sinal da grandeza de Deus pode gerar efeito mais positivo no âmbito espiritual. E como tem sido difícil aprender isso!

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terça-feira, 29 de maio de 2012

Heresias que mudam de roupa


Marcião, um homem rico, filho do bispo de Sinope, na região do Ponto, na Ásia Menor, é um conhecido herege da igreja no século 2. Para Marcião (ilustração acima), somente Paulo conseguiu entender o Cristianismo. No canon que compilou, Marcião incluiu dez epístolas de Paulo (sem as pastorais) e o evangelho de Lucas, mas excluiu todas as passagens que dessem a entender que Cristo considerava o Deus do Antigo Testamento seu Pai ou de alguma maneira era relacionado com Ele.

Seu pensamento dualista, derivado do gnosticismo, não enfatizava a tradicional tensão entre o bem e mal, mas se dava entre a justiça e o amor. O Deus do Antigo Testamento, a seu modo de ver, era justo, e o do Novo Testamento era amoroso, descontinuando assim o Cristianismo e de suas raízes históricas. (1) Jesus veio trazer a essência da verdadeira religião que não era a justiça como executada pelo Deus do passado, mas trouxe o amor.

Trocando em miúdos, tem sido dito que a justiça e seus desdobramentos não conseguem nem devem conviver com o amor. A tendência natural hoje em dia, dadas as convenções e concessões que os setores liberais da Igreja têm feito, é excluir a justiça como agente na experiência cristã e eleger somente o amor como critério validador dessa experiência. Erro marcionista com pelo menos dois mil anos de existência.

Sabemos que o amor é o bem maior, é mandamento, e deve pautar as ações mais nobres que pudermos realizar. A justiça, no entanto, não pode ser compreendida como a vilã porque o mesmo amor que rege as ações cristãs pressupõe a justiça. Ambos, amor e justiça, são virtudes inseparáveis que compõem o paradoxo do Cristianismo: felizes os que choram, é preciso perder para ganhar, aquele que morrer viverá entre tantos outros.

Vejo pregadores e escritores que amputam a justiça e o juízo de seus discursos como se fizessem um favor a seus ouvintes e leitores, ou mesmo ao próprio Cristianismo. Nada mais herege. Justiça e amor são claramente demonstrados na vida de fé, nas Escrituras e na história; eliminar um em função do outro para adequar-se aos discursos pós-modernos de inclusão, de tolerância e de igualdade é o mesmo que privar ou sonegar a experiência mais ampla e completa com a própria essência da fé, do religare e do autêntico Cristianismo.

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos” (Mt 5.6).

(1) OLIVEIRA, Raimundo Ferreira de. História da Igreja. Campinas: FAETAD, 2000, p. 42.

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sexta-feira, 11 de maio de 2012

O retrato matemático de Deus

Um desejo antigo das pessoas de fé é ver a Deus. Moisés, há mais de três mil anos, expressou esse desejo e, mais recentemente, Filipe disse: “’Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta’. Jesus respondeu: ‘Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14.8,9, NVI).

Essa informação é central no Novo Testamento e a vemos em outros documentos. Paulo, por exemplo, está convencido que Jesus revela o Pai em sua totalidade, entendendo totalidade como aquilo que a nós, humanos limitados, é possível absorver, compreender e assimilar. Quando escreve aos colossenses, por duas vezes seguidas Paulo manifesta essa compreensão. “Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude” (Cl 1.19, NVI) e há uma alternativa na mesma NVI que traduz “Pois toda a plenitude agradou-se em habitar nele”.

Essa palavra plenitude traduz o grego pleroma, que também pode significar “aquilo que enche” ou “a plena divindade”. E Paulo a repete um capítulo depois, quando declara “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). Neste último versículo há um novo elemento, a informação corporalmente. Corporalmente traduz o grego somatikós, indicando que a plenitude da divindade não habitou o corpo espiritual de Jesus, mas o próprio corpo físico dele. Em outras palavras, Jesus manteve-se Deus plenamente enquanto era homem. Ele não precisou esperar sua morte e ressurreição para “tornar-se” Deus como sugeriram alguns escritores desde o primeiro século. Ele apenas esvaziou-se de sua glória mantendo seus atributos distintivos da divindade (Fp 2.5-11).

Para concluir, outro documento do Novo Testamento atesta a mesma compreensão de que em Jesus encontramos tudo aquilo que de Deus podemos perceber. Refiro-me à Hebreus 1.3, que diz: “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa”.

Que texto espetacular! Nele encontramos mais informações interessantes. A primeira delas é o grego karakter, aqui traduzido por expressão exata ou reprodução, representação exata. Em seguida temos hypóstaseos, que significa natureza, essência ou realidade. Jesus reproduz a exata natureza ou essência de Deus. Mas a frase original acrescenta uma ênfase: panton, indicando que Jesus é a expressão exata de todo o ser de Deus. Tudo o que de Deus podemos conhecer, em Jesus se manifesta.

E é essa exatidão quase matemática que atrai a minha atenção. Não que necessite de provas físicas para crer em Jesus pois é pela fé que o conhecemos, mas essa demonstração precisa, diria milimétrica, que remete a uma exatidão científica (para quem necessita dela) transmite a nossa alma a sensação do Emanuel, Deus está conosco, ele revelou-se da maneira mais absurda à criatura. Ele revelou-se do modo mais gritante, saiu do seu esconderijo celestial e literalmente habitou entre nós.

É fascinante conhecer um Deus assim, por esses meios, do modo como a Bíblia descreve.

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sábado, 5 de maio de 2012

Suas expectativas são legítimas?

Por natureza o homem cria expectativas à partir das situações que vive. Ele tem expectativas sobre seu cônjuge, sobre seus filhos, sobre sua profissão, sobre seus amigos, expectativas pessoais, políticas e religiosas. Vamos nos concentrar nessas últimas.

As expectativas que criamos no campo religioso não vêm necessariamente de nós, mas do discurso religioso, das palavras e promessas feitas. Assim, toda pregação pode despertar expectativas as mais diversas. Se a pregação for honesta com o conteúdo da Bíblia, ela provocará as expectativas legítimas, aquelas que o Senhor quer despertar em nós. Se a pregação "usar" a Bíblia para despertar falsas expectativas ou expectativas erradas, nós poderemos ser iludidos ao alimentar esperanças que a Bíblia não pretende dar a ninguém.

No entanto, diante de uma necessidade pessoal, podemos distorcer o sentido da mensagem para fazê-lo ajustar-se às nossas expectativas. Se a mensagem diz, por exemplo, que o Senhor nos dará a vitória no final, indicando que a Igreja será arrebatada e irá para o céu, alguém poderá entender que o pregador está afirmando uma vitória financeira no final da luta e da prova, quando na verdade a mensagem não tratava de um assunto financeiro.

Há casos nos quais o próprio mensageiro, ou líder, cria expectativas erradas sobre a mensagem que transmite. O profeta Jonas é um caso típico. Após denunciar Nínive e acusar o seu pecado, o profeta subiu a uma colina e ficou ao longe aguardando a destruição daquele povo. Mas, a mensagem surtiu efeito pretendido por Deus e o povo arrependeu-se, dando ocasião ao perdão que poupou a cidade da destruição. Jonas, que queria ver o mal daquele povo pecador, ficou indignado, já que não contava com o efeito real, positivo e libertador da mensagem que ele mesmo anunciou.

O principal meio de proteger-se de expectativas enganosas, irreais, criadas a partir de uma mensagem religiosa, cristã ou não, é conhecer o conteúdo e o contexto do seu texto fundamental. A leitura da Bíblia, no caso dos cristãos, dará ao leitor orientações especiais e realísticas sobre o tema principal da sua mensagem: a salvação. O leitor deve saber que esse é o assunto geral da Bíblia e o motivo pelo qual ela foi escrita.

O leitor também deverá levar em conta o tema do livro que deu origem à mensagem. Por exemplo, dizer que o livro de Jó ensina que orar pelos inimigos é o segredo para receber bênçãos em dobro demonstra uma expectativa falsa. O tema principal e o motivo pelo qual este livro foi escrito é o sofrimento humano. Todos os outros subtemas no livro são de valor secundário. O comportamento humano frente ao sofrimento, as causas do sofrimento, a participação de Deus e o Diabo no sofrimento, tudo isso não constitui o tema principal do livro.

O mesmo vale para uma mensagem. Quando você lê ou ouve uma mensagem, deve considerar se ela faz jus ao texto (versículo ou porções bíblicas utilizadas) que dão a ela a sua base, o seu tema ou a proposição da mensagem. Desprezar isso dará a você, seguramente, a oportunidade de criar expectativas falsas. E como o Senhor não tem compromisso com expectativas falsas - o Seu compromisso é com a sua Palavra - o maior prejudicado será você. Esse não é o objetivo de boas mensagens, de mensagens honestas com o conteúdo da Bíblia. Por isso, seja vivo e preste atenção. Crie expectativas reais e seguras e mantenha a sua saúde espiritual - e emocional também!

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terça-feira, 24 de abril de 2012

Dicas de leituras: Novos lançamentos da Arte Editorial


Confira no site da Arte Editorial os novos lançamentos do mês de abril. São eles:

Islamismo e Apocalipse, de Magno Paganelli
O Caminho do Discipulado, de Davi Guimarães
O Perfil de Sete Líderes, de Altair Germano

Se preferir, peça mais informações ou faça o seu pedido pelo email editora@arteeditorial.com.br

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A nova fé: quem precisa dela?

A pequeníssima epístola de Judas nunca foi tão atual e profética (com o perdão dessa expressão desgastada). O versículo 3 encoraja a "batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos" (RC). A expressão "fé que uma vez foi dada aos santos" faz pensar nas novidades teológicas no ambiente cristão (ainda que com cem, duzentos anos ou mais).

A fé dada há dois mil anos já era suficiente para realizar o seu papel e levar-nos a cumprir a carreira proposta. Pensar que essa fé dada uma vez pudesse ou devesse atingir um estágio de evolução ou alcançar posteriormente alguma revelação, por mais privilegiada que fosse, é uma certeza estranha ao Evangelho. A fé dada uma vez aos santos era, por si, pronta e acabada, usando um termo pobre para explicar tamanha riqueza.

Ninguém precisa de uma "nova fé", porque Cristo não está promovendo ou delegando uma fé nova ou diferente da que entregou aos santos há dois mil anos. Alguém está cansado do Evangelho como ele é, é caso admissível. Há irmãos que vivem de novidade em novidade e precisam de estímulo extra para "fazer funcionar" algum mecanismo ou fazer girar alguma roda, mesmo que da fortuna. Mas não há novidade: a fé foi dada uma vez aos santos. Ponto final.

É inconcebível uma nova revelação que já não tenha ocorrido entre os apóstolos, como é impensável alguma nova associação da fé com um ramo da ciência no intuito de fazer a fé ganhar novo vigor, assumir significado renovado e fazer sentido no contexto pós-moderno. Nada disso existe. É preciso muita fé para crer que o homem de hoje - justo hoje! - está redescobrindo um novo jeito de construir sua espiritualidade ou estabelecer diálogo com "outros saberes". Nada disso é necessário. A fé é um caso à parte, independente. Ou você crê ou não crê. Mas remodelar a fé ou o seu significado etimológico para que ela desça ao nosso nível é perversão e por isso, no mesmo versículo, Judas diz que queria escrever sobre a "salvação comum", mas mudou o texto para "encorajar-nos a batalhar pela fé".

Preservar a fé é crucial para manter a salvação sobre a qual ele queria escrever. E ele usa todo o texto da epístola demonstrando quais são as ameaças à fé: falsos irmãos que se desviaram mas permanecem nas reuniões (v. 4); os incrédulos que estão fora da Igreja (v. 5); os pervertidos (v. 10); os egoístas individualistas que são insubmissos (v. 12); os murmuradores (v.16); os escarnecedores (v. 18); os maliciosos (v. 19).

As novidades que têm sido introduzidas na Igreja nos últimos tempós faz da pequena carta de um dos irmãos de sangue de Jesus um verdadeiro "jornal do dia". Leia-a, é curta, apenas 25 versículos da mais clara e saudável revelação. Eu creio na Bíblia como Palavra de Deus e sei que ela está ensinando a verdade para todo aquele que crê que a fé foi dada um vez aos santos... e não precisou de amuleto para andar nem de plástica para parecer nova.

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Anote em sua agenda: 1ª edição da FLIC!

Vem aí a 1ª Edição da Feira Literária Internacional Cristã, a FLIC, e você é nosso convidado!

A FLIC é um evento exclusivo para quem aprecia a literatura cristã, seja livreiro ou leitor. (http://www.flic2012.com.br/)

O evento é promovido pela Associação de Editores Cristãos do Brasil (ASEC) e é o primeiro evento exclusivo para o setor de literatura evangélica no país.A Feira contará com a participação de todos aqueles que contribuem para a construção, difusão e fortalecimento da literatura cristã de qualidade no Brasil.

DIAS: 3 a 6 de maio de 2012
HORÁRIO: 10h às 21h
LOCAL: Centro de Eventos São Luís, Rua Luís Coelho, 323 (Próx. à Av. Paulista, São Paulo-SP)

Este evento tem o apoio e participação da Arte Editorial. Visite nosso stand, confira nossos lançamentos e aproveite as promoções exclusivas durante o evento.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sem cérebro. Sem coração também?

Por 8 votos a 2 o STF aprovou hoje o aborto no caso dos bebês anencéfalos. Brilhante e corajosa a defesa do voto "contra" realizada pelo presidente do Supremo, Ministro Cezar Peluso. Este esclareceu, entre inúmeros pontos ignorados por seus pares, que há grande número de ocorrências de "merencéfalos", bebês sem "parte" do cérebro mas "com encéfalo". E por inúmeros outros brilhantes motivos, especialmente os jurídicos, o aborto constitui, sim, crime contra a pessoa que, "se morre, pressupõe-se estar viva". Foi isso o que aprovou o Supremo: a legalização do crime.

Mas não sou jurista e quero comtentar-me com questão que cabe à minha área, já que fui recriminado no Twitter por um estagiário de direito, este sim merencéfalo, por imaginar que uma decisão dessas carece somente de "argumentos racionais e jurídicos". Escreveu ele que não posso tomar base emocional para uma decisão jurídica como essas, pois que disse a ele da emoção de ouvir no exame de ultrassom o coraçãozinho de um feto batendo três ou quatro vezes mais rápido que o coração de um adulto. Ele não tem filho, nao teve esse prazer.

E o mote do Ministro Marco Aurélio de Mello fói o mesmo, que advogou ser somente os sinais elétricos do cérebro indicadores da possibilidade de vida, esta com as especificidades que, segundo a Lei, conferem possibilidade ou justificativa ou oportunidade de viver ao feto. Definitivamente NÃO.

Será que toda decisão jurídica deve ser fundamentada somente sobre bases racionais? Creio que nem na faculdade de Direito mais chinfrim isso deve ser ensinado.

E quem se diz "cristão", penso, deveria considerar a Bíblia em todos os seus processos de formação de opinião. É inadmissível um cristão que descartei a Bíblia, em quaisquer decisões que precise tomar. Parece ser o caso do estagiário.

Ao ponto. A mais famosa decisão jurídica em favor de uma criança está lá, na Bíblia, em 1Reis 3.16-28. É a famosa passagem da mãe que perdeu seu bebê durante a noite e roubou o bebê da amiga. Esta, reclamando ao Rei Salomão, ouviu dele: "'Tragam-me uma espada'. Trouxeram-lhe. 'Cortem a criança viva ao meio e deem metade a uma e metade à outra'." O resultado óbvio foi: "A mãe do filho que estava vivo, movida pela compaixão materna, clamou: 'Por favor, meu senhor, dê a criança viva a ela. Não a mate!'." (v. 26).

Que parece essa decisão? A palavra da mãe, penso, deve ser ouvida, não? As razões da outra mãe, a que matara involuntariamente o seu filho, abandonou a ideia de permanecer com um filho que não era seu e anuiu à divisão do bebê em duas partes.

O juiz Salomão (lembremos que o judiciário era atribuição dos reis à época) deu voto de minerva justamente à voz da emoção, não da razão.

A história mostra que legislar exclusivamente em função da razão cria monstros perturbadores. Sabemos que Hitler e sua raça ariana eram, ao menos em parte, frutos das reflexões de Nietzche que já havia proclamado que Deus era carta fora do baralho quando escreveu: "Nós matamos Deus" (eu conheço o contexto da citação).

Uma sociedade que pensa mas não sente está igualmente condenada à morte, à eugenia social. Pessoas são seres complexos e constituídos de razão e emoção, mente e alma, cérebro e coração. O apóstolo Paulo diz que devemos ter a mente de Cristo, que precisamos cultuar racionalmente, mas ele mesmo escreveu 1Corintios 13, o clássico capítulo do amor. Desconheço quem ama racionalmente, com o cérebro. As emoções estão lá e outro ministro, Ayres Brito, falou em "amor inclusive ao bebê" quando defendeu o aborto. A mãe, da passagem de Salomão amou "movida pela compaixão materna". A versão Corrigida da Bíblia diz que "suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho". Lá estavam as emoções defendendo a vida, enquanto a razão da falsa mãe dizia: "Corte, a criança ao meio" (v. 26, NVI).

No passado, os escritos de diferentes tribos remetiam os sentimentos vitais mais profundos a alguns órgãos do corpo humano. Rins, intestinos, ventre e principalmente coração. Os próprios judeus usavam coração e rins em seus textos, além de "entranhas". A parte vital, que determinava até mesmo a morte pelo afastamento de Deus, segundo esse entendimento, nunca foi o cérebro, nem parte dele.

É, senhores Ministros. O dito popular declara que homens maus, como pedófilos, estupradores e assassinos, e mesmo políticos que roubam verbas que deveriam ir para a saúde, educação e saneamento básicos, são pessoas "sem coração". Poderíamos colocar em votação a legalização da morte nesses casos também?

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quarta-feira, 4 de abril de 2012

“O estrume de Paulo” ou “A próxima Igreja”

Há muitos cristãos insatisfeitos com tudo, igreja, pastores, doutrinas, instituições, hipocrisia, frieza espiritual. Não é caso novo, quem lê a Bíblia e conhece o mínimo de história do Cristianismo o sabe. E hoje li um artigo, autor conhecido, despindo sua espiritualidade de tudo o que julgou e listou estar errado. E admito com ele: há mesmo uma situação complexa; não vê quem não quer.

A Igreja de hoje convive com situações esquisitíssimas, dentro e fora de si. Umas são novas (neopentecostalismo e nominalismo evangélico), outras apenas mudaram de roupa, como o liberalismo teológico, a crescente perseguição do Estado e de grupos específicos da sociedade. São situações que os cristãos brasileiros só viram nos livros de história, aqueles que viram livros – evidentemente.

Solução? Sempre teve solução para o povo da fé em Deus. Tomemos Paulo e o judaísmo que ele descobriu obsoleto. O que fez quando identificou a insuficiência do judaísmo? Avançou. E deixou rastro. Após exaltar a sublimidade do conhecimento de Cristo em relação à antiga religião disse que considerava as coisas passadas como “esterco”. Quem trabalhou na roça, caso de alguns dos leitores do apóstolo, sabe que esterco não é lixo. Esterco é adubo, fertilizante que dá mais vigor à plantação.

Somente o conhecimento antigo poderia dar suporte e fundamento ao novo. Se Paulo não compreendesse o judaísmo como compreendia, nada de novo faria sentido. Pense em alguém com capacidade equivalente para escrever a carta aos Romanos? Não havia além dele. Mas ainda no texto da carta, Paulo revela que:

“Não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus”. (Fp 3.13,14)

Avanço não é recomeço. Não há Igreja a ser jogada fora, desprezada, escarnecida. À medida que amadurecemos precisamos apoiar e incentivar outros a mesma experiência, ajudá-los a avançar como nós. Um capítulo antes o mesmo Paulo disse:

“... pois todos buscam os seus próprios interesses e não os de Jesus Cristo.” (Fp 2.21)

E antes ainda:

“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos.” (Fp 2.3)

A Igreja de hoje chegou aqui porque avançou muitas vezes em conjunto. E ela avançará, arrolando aqueles que a compõem. O organismo espiritual ao qual chamamos “Igreja” tem uma promessa de nunca ser desfeita ou vencida (Mt 16.18). A Igreja é isso aí, com ou sem problemas. Como despir-se dela ou abandoná-la na esperança de uma nova igreja?

A nova igreja de Cristo não existe; existe a nova igreja do anticristo. A nova espiritualidade não existe; existe uma compreensão adequada da espiritualidade que sempre esteve nas Escrituras. Também não existe “uma nova teologia para o século 21”. Existe a teologia bíblica ou uma sociologia arrogante de pensamento teológico; ou uma psicologia travestida de teologia ou uma antropologia disfarçada que procura humanizar o divino.

Nada novo para quem lê a Bíblia ou conhece o mínimo de história do Cristianismo.

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Seminário de Atualização para Diáconos e Obreiros

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"Sirvo ao Senhor por mais de trinta anos no diaconato, e nunca vi um trabalho tão profundo como este realizado pelo Pr. Magno Paganelli".
Dc. Epídio Barbosa de Godoy e Neusa de Souza Gogoy
Líderes do Diaconato da Primeira Ig. Batista de Santo André, SP

“O Seminário para diáconos é uma ferramenta inovadora, mais que necessária e de altíssimo teor bíblico e histórico, que tem auxiliado sobremaneira os pastores na tarefa de capacitar seus diáconos nas mais diversas igrejas e denominações. Organizamos duas edições desse seminário, ambas com forte repercussão e impacto nos participantes e, consequentemente, na igreja local.”
Pr. Aécio Ribeiro Filho
Assembleia de Deus Bom Retiro em Guarulhos

"Este é um fabuloso instrumento na preparação de obreiros. Nossas Igrejas estão carentes deste ensinamento e quando há oportunidade de alguém 'de fora' da nossa comunidade local, trazer a mensagem bíblica o efeito é extraordinário. Foi assim na passagem do Pr. Magno Paganelli pela Igreja Batista da Floresta, Nós colhemos maravilhosos frutos na vida de vários oficiais da Igreja."
Pr Silvio Figueiredo
Ig. Batista da Floresta, Belo Horizonte, MG

"O Seminário para Diáconos promovido pelo pastor Magno Paganelli, resultou em um grande despertamento entre os diáconos na igreja. Os diáconos ficaram impactados e motivados a exercer a função com maior expectativa. Valeu a pena fazer o curso."
Bp. Paulo R. Tavares
Assembleia de Deus Catedral da Fé, SP

O Seminário para Diáconos com o Pr. Magno fornece fartos recursos bíblicos e teológicos, históricos e práticos para quem participa. Já realizamos em duas ocasiões em nossa sede".
Pr. Marcos Rodrigues.Assembleia de Deus Bom Retiro em Mogi das Cruzes

"O escritor e palestrante Magno Paganelli é alguém que estudou profundamento a palavra diaconia. Ele tem desenvolvido palestras sobre o tema com profundidade e simplicidade e tem levado muitas pessoas a repensarem a diaconia na igreja. Vale a pena ouvir suas ponderações e construções na visão correta da diaconia bíblica."
Rev. Alcindo Almeida
Igreja Presbiteriana do Brasil, Lapa, SP


"Nós fomos ricamente abençoados com o conteúdo do seminário do Pr. Magno Paganelli. Nossos diáconos foram edificados, ampliaram seus conhecimentos e tiveram contato com uma realidade sobre a diaconia que é pouco ou nada estudada em muitas igrejas que conheço. Ficamos realmente impressionados com algumas informações que foram apresentadas."
Pr. Edson
O Brasil para Cristo, Zona Leste, SP


"Fizemos em nossa região o seminário para diáconos, com o Pr. Magno Paganelli. As expectativas que tínhamos foram todas superadas, pois o conteúdo das quatro palestras é diferenciado, profundo, bíblico e necessário para toda e qualquer igreja séria. Não conheço nada parecido com a proposta desse seminário. Por isso, recomendo."
Pr. Isaias Andrade
Ig. Batista em Pq. Dorotéia, SP

sexta-feira, 30 de março de 2012

Questões sobre a formação do Alcorão (1ª parte)

Todo estudante de Teologia sabe que a Bíblia foi preservada por meio de inúmeras (fala-se mesmo em milhares) cópias dos manuscritos originais, já que esses se perderam. A tradição dos pais da Igreja já no primeiro século, além da própria comunidade primitiva, atestou a mensagem que posteriormente foi preservada nos documentos que formaram o cânon.(1) Esses documentos são os que temos disponíveis hoje, sendo 66 livros do Antigo Testamento e 39 do novo Testamento.

A perícia das ciências ligadas ao estudo desses documentos tem atestado o que se afirma e se crê sobre as Escrituras Sagradas do Cristianismo. Arqueologia, paleografia, a historiografia, epigrafia, filologia e muitos outros ramos do saber vêm atestando o que cremos há séculos. Os manuscritos de Qunran ou Do Mar Morto, considerados a maior descoberta arqueológica do Século 20 chancela que a Bíblia usada em todo o mundo é a mesma, deste os primitivos textos do Antigo Testamento. Fato.

Receio que o mesmo não se possa dizer em relação ao Alcorão. Em poucos parágrafos vou indicar cinco flancos nos quais a fé islâmica não pode se apoiar no Alcorão como registro seguro para a fé e a esperança de um dia morar no Paraíso, como desejam os muçulmanos.

1. A tradição e história islâmicas afirmam e insistem que o profeta Mohammad recebeu as revelações que compõem o Alcorão quando estava em meditação em cavernas na Arábia. Mohammad, como se sabe, era analfabeto. Ele não escreveu nada do que lhe foi revelado, mas confiou aos parentes e seguidores a composição do texto. Muitas vezes os transes se davam quando não havia recursos apropriados para registrar as revelações. Seus companheiros escreviam em troncos de árvores, pernas ou ossos de animais mortos, folhas de palmeiras, pedras, esteiras, curtume e sobre o que tivessem à mão. Confiavam na memória ou a recitadores (isso no Século 7 d.C., quando a facilidade de escrita já era bastante difundida e as técnicas já muito avançadas). Essas revelações foram compiladas somente num documento único trezentos anos depois, quando já havia pelo menos 24 variantes dos manuscritos. À exceção de uma compilação de Zid ibn Thabit foi escolhida porque seu dialeto Quraishi era a língua falada por Mohammad. As demais foram queimadas. (2)

2. As dezenas de cópias cuja composição não se combinavam entre si foram destruídas para admitir-se uma. O critério, portanto, não foi a autenticidade, como se verifica na tradição escriba dos manuscritos do Antigo Testamento, por exemplo. Já que dificilmente eram encontradas duas cópias idênticas do Alcorão já no seu nascimento, como se pode atestar a fidedignidade do que foi preservado até hoje? Impossível; e os demais documentos foram queimados, portanto, desfeita toda possibilidade de comparação e verificação.

3. A deficiência flagrante no estilo literário, com excessos de pronomes e carência de substantivos depõe contra um texto sobre o qual se alega ter inspiração divina. Um historiador muçulmano brasileiro afirmou a mim que o texto não é do profeta, mas do próprio Allah. A Bíblia, por sua vez, é rica em seus vários estilos usados pelos cerca de 40 autores. Sua história tem ritmo, sentido, enredo, harmonia, riqueza de detalhes e o vocabulário próprio dos autores mostra a honestidade da inspiração divina que se valeu de autores humanos respeitando o contexto social, político, religioso e cultural de cada um. Questiono a possível de um deus que se mostrou com tamanha beleza literária tivesse depois sofrido de tão profunda falta de inspiração na composição de outro documento de própria autoria.

4. A alta incidência de porções incompreensíveis, mesmo para árabes e tradutores, textos sem sentido, com falta de sentido lógico e raciocínio linear (essas são palavras de tradutores árabes). A tradição islâmica defende ser inapropriado traduzir o Alcorão para qualquer idioma, alegando que o árabe foi escolhido e preservado para esta finalidade e que nenhuma tradução para nenhuma língua existente poderá verter o sentido e a beleza originais. Por isso dizem que quem quiser ler o Alcorão deve aprender o árabe e ler o original. O que os linguistas que não são de tradição islâmica e mesmo alguns muçulmanos mais honestos afirmam não é isso, mas que de fato o texto é complexo e deficiente.

5. As repetições são outro problema do Alcorão. A história do Êxodo, por exemplo, é repetida 27 vezes, curiosamente omitindo a porção principal, que trata da Páscoa, evento fundamental na tradição judaico-cristã. Don Richardson diz que “era a história de púlpito preferida de Maomé”. Detalhes da vida de Abraão são repetidos 24 vezes no Alcorão. A história de Noé se repete 27 vezes. Richardson afirma que isso inflou o texto já reduzido e se essas repetições fossem retiradas o Alcorão seria 40% menor.

Além disso, Mohammad incorporou no seu texto histórias do Antigo Testamento trocando e alterando os originais conforme constam da Bíblia. Por exemplo, na sua narrativa da escolha dos trezentos valentes de Gideão, ele substituiu o juiz Gideão pelo rei Saul. Além de adulterar a fonte, cometeu anacronismo, já que Saul viveu pelo menos 200 anos depois de Gideão. Na Suta 5.23 Mohammad quer contar a história de Josué e Calebe, mas não sabe o nome desses dois personagens e se sai com um vago “dois homens”. Na Sura 2.249 ele confunde Gideão com Saul. Mas essa insistência nas histórias bíblicas tem um motivo: pegar carona na credibilidade e fazer-se herdeiro da tradição judaica e sucessor dos profetas do Antigo Testamento e de Jesus, o que já em seu tempo foi mal visto pelos judeus de Medina e de Meca como também pelos cristãos.

Talvez essa resistência de judeus e cristãos em receber a mensagem de Mohammad explique por que em todo o Alcorão encontramos versos orientando a perseguição especificamente a esses dois grupos.

Que os muçulmanos de todo o mundo possam compreender isso da mesma forma, porque o Deus das páginas da Bíblia não persegue nem a amigos nem a inimigos.

Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que não tenho prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus caminhos e vivam. Voltem! (Ez 33.11).

Parte do texto foi adaptado de Islamismo e Apocalipse, do autor, publicado pela Arte Editorial (2012).

(1) Os documentos do Novo Testamento foram canonizados no 3º Concilio de Cartago, em 397 d.C.
(2) CANER, Ergun Mehmet & CANER, Emir Fethi. O islã sem véu: um olhar sobre a vida e a fé muçulmana, pp. 91,92.