terça-feira, 17 de julho de 2012

Imitar a Paulo, em quê?

Paulo, de Rembrandt

Com certa frequência advirto os alunos no seminário a que considerem o contexto de um versículo antes de emitir uma opinião. Regra básica na hermenêutica bíblica. E como evita erros!

Considere isoladamente 1Corintios 11.1: "Sede meus imitadores, como tambem eu de Cristo". A partir dessa declaração paulina, muitos irmãos têm se admirado do apóstolo, que nesta situação apareceria como padrão de maturidade e comportamento cristãos a ser seguido. Fico imaginando quantas mensagens foram incrementadas com a exclamação: "Vejam a coragem de Paulo, recomendar a si como cristão". Mas teria sido essa a sua intensão? Paulo estaria chamando para si a responsabilidade de tornar-se o paradigma da fé cristã para toda a Igreja ao longo dos últimos dois mil anos? Vejamos que diz o contexto.

No capítulo anterior ele tratava da liberdade do cristão, onde encontramos outro versículo clássico ("Tudo me é lícito, mas nem tudo convém"). Sua liberdade esbarrava na questão dos pratos oferecidos a outros deuses nos cultos pagãos. O cristão maduro, Paulo argumenta, deve privar-se de sua liberdade em favor dos mais fracos.

Nenhuma prática deve limitar-se ao simples prazer pessoal, quer eu beba, quer eu coma (v. 31). Se Paulo escrevesse isso hoje talvez incluísse em seu argumento coisas como ouvir rock, vestir determinadas roupas, frequentar certos ambientes, quem sabe? A maturidade de consciência de alguém não pode tornar-se impedimento ou escândalo a que outro chegue à fé, quem quer que seja. Nem judeu, nem grego, nem os próprios cristãos (v. 32). Hoje ele se preocuparia com etnias, minorias, guetos e tribos, sem esquecer-se da grande mídia.

Esse foi o cenário da declaração de Paulo. Após aconselhar a seus leitores ele disse agir assim: "Também eu procuro agradar a todos, de todas as formas. Porque não estou procurando o meu próprio bem, mas o bem de muitos, para que sejam salvos" (v. 33). Paulo construiu todo o argumento e agora está se encaminhando para o arremate, dizendo que não usou do seu direito à liberdade quando a questão envolve a consciência e mesmo a salvação de outros. E por que ou baseado em que ele faz isso? Por causa do exemplo que viu em Jesus. Onde? Em toda a sua vida e morte. A própria morte do Senhor demonstrou que Ele pensou na nossa salvação, e não em si.

Em Filipenses 2.5ss., por exemplo, Paulo usou o mesmíssimo recurso ao dizer: "Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se". E por que Jesus fez isso? Pela nossa salvação, em nosso benefício.

Esta é a situação na qual o apóstolo fez a declaração que temos discutido. Se eu fosse parafrasear a citação, teria algo assim: "Não pensem somente em si, mas considerem também os outros, os que podem ser alvos da salvação. Cristo pensou assim ao encarnar-se e eu O imito. Façam a mesma coisa: sejam meus imitadores, como eu também imito a Cristo".

É a esse comportamento e preocupação que Paulo diz para que o imitássemos; mas não a toda a sua vida. Evidentemente que concordamos ser ele um grande apóstolo, talvez o mais expressivo. Sua vida é, para nós, de grande inspiração. Mas guardadas as devidas proporções, ele mesmo disse não ser perfeito.

Coisas que queria fazer por saber ser o certo, não conseguia. O que queria abandonar por saber ser errado, não tinha êxito. E mais, se Paulo estivesse dizendo para que o imitássemos em tudo, teríamos aqui a primeira crise da história da Igreja, a base bíblica para a divisão, um pecador igualando-se ao próprio Jesus, aquele incomparável Homem a quem verdadeiramente devemos procurar imitar, esse sim, em tudo.

Portanto, considerando as pessoas à nossa volta, façamos como Paulo, refletindo de que modo nossos atos podem contribuir com o fortalecimento da fé alheia. Vamos imitar a Paulo nisso e a Jesus em tudo!

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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Uma perspectiva que você deve considerar

Imagine as seguintes situações.

Situação 1. Você está em um incêndio. O bombeiro consegue chegar até o local para resgatá-lo e ele dá orientações básicas para você sair do prédio sem sofrer queimaduras. Você seguiria as instruções? Sim ou não?

Situação 2. Seu médico diz que você tem uma doença comum, mas ela é fatal; se não tratar terá morte na certa. Ele receita o tratamento, que tem cobertura do Governo e não terá custo, mas você precisa readequar seus hábitos alimentares e padrão de vida. Você faria o tratamento? Sim ou não?

As perguntas que fiz são retóricas. A resposta para cada uma delas é o “sim”.

O Cristianismo tem sido esvaziado do seu papel principal, que é apresentar a Jesus Cristo como aquele que dá a orientação ao paciente para que este decida ou não pelo tratamento. Jesus mesmo usou a metáfora do médico que veio para salvar doentes, e não os sadios: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.” (Mt 9.12)

Estamos todos doentes, individualmente, coletivamente. As pessoas estão doentes, os grupos estão doentes, as estruturas e instituições que formamos estão corrompidas. Os processos e mecanismos sociais se decompõem no vício.

Quanto a Jesus, o que ele fez, sabemos: morreu na cruz para trazer salvação e deixou o Evangelho, a Boa Nova. Qual o papel do Salvador? Salvar. E para isso dá orientações básicas, receita o tratamento. O que ele quer com isso? Salvar, salvar a nós – diga-se de passagem. Nós é quem estamos sob risco, no ambiente em chamas, e doentes, com os dias contatos. Não ele.

E o que decorre disso? Decorre que tudo o que as Escrituras dizem, dizem para o nosso bem: “Nossos pais nos disciplinavam por curto período, segundo lhes parecia melhor; mas Deus nos disciplina para o nosso bem, para que participemos da sua santidade.” (Hb 12.10; ênfase acrescentada). A Bíblia traz o receituário de Deus para o homem e este pode ou não seguir suas instruções, simplesmente. Seguindo-o, a salvação virá, primeiro individualmente. Depois na coletividade, com grupos melhores, com instituições melhores, com uma sociedade melhor. Não estou, com isso, dizendo que Jesus é marxista; o foco é o homem, mas há desdobramentos.

A salvação também não virá pelo que fizermos, pois ela já existe e está disponível. Aceitar os pressupostos dessa salvação é a atitude esperada. O caminho para sair seguro do ambiente em chamas existe e quem o seguir as orientações viverá. Assim, a salvação não vem pelo esforço, mas pela mudança no rumo, no acerto do caminho já existente, no ajuste dos procedimentos para a manutenção da vida. O caminho foi criado, preciso percorrê-lo. O procedimento foi estabelecido, preciso adotá-lo.

Portanto, se a Bíblia descreve o papel de Jesus como Senhor e Salvador, cabe a nós a percepção dessa verdade e uma mudança para o nosso próprio benefício. A Deus nada muda se rejeitarmos a sua oferta de Salvação. A nós, entretanto, faz toda a diferença, a propósito, uma vida inteira de diferença.

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