sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Um antigo rei judeu e a pós-modernidade

Davi sempre é lembrado como um "homem segundo o coração de Deus". Esse é o seu principal e mais virtuoso adjetivo. Mas quero usar, sem denegir a sua imagem, uma de suas características negativas que demonstram a complexidade da natureza humana.
É fácil pensar que um homem da estatura de Davi esteja "protegido" de rebaixar a sua condição, de descer a um nível moral repugnante. Engano. Nossas mais virtuosas experiências, nossos mais brilhantes conhecimentos e a mais admirável virtude espiritual ou moral não nos imunizam de sermos lançados na sarjeta social num só instante.
Após tornar-se um gigante na fé, Davi assumiu as rédeas, o controle de suas atitudes para ver-se despencar na vida moral e espiritual, entregando-se visceralmente a um adultério e promovendo o homicídio de um inocente.
Em 2Samuel 11.25 vemos Davi “brincar" de senhor do destino e em 2Samuel 12.5 o vemos adotar o lema: "o que vale para os outros não vale para mim", flagrante resultado das práticas ocasionais adotadas como licensa moral. O ser humano recorre à autopremiações e concessões após um período de resignação e de repetidos acertos.
De igual modo, pensar na atual humanidade como adulta tem promovido um descolamento natural da confiança e dependência de Deus, e estas ficam vistas como alienação da realidade. Deus é chamado de bengala motivacional ou projeção de expectativas elevadas e a religião de entorpecente das massas ignorantes e retrógradas. Nesse cenário, numa sociedade dinâmica como a nossa, cogitar o "fator Deus" é irresponsabilidade. Depender de Deus é ser insensível ao bom senso e à coerência, e principalmente à racionalidade. Até mesmo intolerante!
Davi se mostra autoconfiante, autosuficiente: ele se basta! Neste momento de sua vida ele tipifica o homem pós-moderno.
Mas Davi erra quando tira férias de suas responsabilidsades como rei, do seu dever como soldado. A espiritualidade da vida cristã não se constitui só de atividade ou de liturgia, de engajamento nem negação dos deleites e desfrutes terrenas. Se há que desfrutar algum dom, é preciso saber a hora certa e o tempo de Deus para isso.
Todos os gigantes na fé, homens com a estatura de um Davi, atravessaram situações semelhantes. Abraão, o pai da fé, agiu como filho do Diabo quando mentiu. Jó foi surpreendido, pois aquilo que ele temia lhe sobreveio. Moisés viveu uma crise de descontrole. Pedro abriu deu ocasião a uma declaração maligna e foi excessivamente autoconfiante diante do próprio Jesus. Os filosofos modernos e pós-modernos apoiariam a todos eles.
Immanuel Kant (1724-1804), o maior filósofo da modernidade disse: “Age de tal modo que a máxima da tua ação possa sempre valer também como princípio universal de conduta”. Em outras palavras, esta afirmação ensina que o homem, então, torna-se o “criador” do seu mundo, da moralidade, das referências válidas. Se nos sentimos inclinados a mentir, basta apenas que perguntemos: “Gostaríamos que outros fossem desonestos conosco?”.
Assim como Rubem Alves, Kant coloca o homem como referencial moral e ético, e não Deus. ("O pecado não faria sentido se não fossem os estados emocionais dolorosos”. Alves, Dogmatismo e tolerância).
Friedrich Nietzsche (1844-1900) se saiu com essa de que não há um mundo verdadeiro; tudo limita-se a uma “aparência de perspectiva” cuja origem está em nós mesmos. Com a “morte de Deus”, Nietzsche sustentou os valores humanos somente à medida que lhes damos valor. Do contrário, em si não há qualquer valor.
Davi errou ao olhar uma mulher na hora e lugar errados? Ele foi ético? Foi coerente com seus valores? Kant diria que se aceitarmos que outros façam o mesmo com nossa mulher, então Davi não errou. Rubem Alves diria que se ele não sentir-se "emocionalmente dolorido", não há terá cometido pecado. E Nietzche concluiria que se Davi desprezasse o conceito de adultério e homocídio, eles por si mesmos não fariam qualquer intervenção no ambiente moral ou ético.
Por isso, o mundo ficou chocado diante da explosão de duas grandes guerras. Quando se pensava que o mundo (leia o homem) era adulto, maduro e suficiente, uma matança cruel e devastadora solapou as esperanças e expectativas mais exaltadas. O tiro saiu pela culatra.
Por isso sustentamos que ainda é preciso olhar para Jesus, pois os nossos olhos são as janelas de entrada de informação que podem mover as nossas intervenções no nosso mundo e no mundo de outros. Jesus é o autor da fé e precisamos nutrir nossas vidas espirituais, promover a espiritualidade que tem sido reconsiderada até mesmo nas empresas e na academia. cada um de nós possui vida espiritual tal qual nosso próprio corpo físico.
Davi ainda relatou a patologia causada por seu pecado (Sl 32.3): “Enquanto eu mantinha encondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer” ou “envelheceram os meus ossos”. Muitas das doenças humanas modernas são a própria expressão do pecado cotidiano.
No entanto, Davi nos mostrou porque ficou conhecido como um homem "segundo o coração de Deus". Ele não ofereceu sacrifícios insignificantes ao Senhor, ele não promoveu qualquer ritual de "desencargo de consciência" para apaziguar a ira de um deus incontrolável. Davi quebrantou, castigou o seu coração e reconheceu os atributos do seu Senhor: Ele é criador. Versículo 10: “Cria em mim um coração puro”. Esta expressão "cria" tem conotação com algo novo, que não poderá emergir do que já existe; faz novamente pois o que existe precisa ser desconsiderado. Quem de nós quer abandonar a velha maneira de viver?
No mesmo Salmo 51.14b ele escreveu: “Minha língua aclamará... levantará altamente a tua justiça”. Isso é o louvor que ele dará ao Senhor, resultado de um encontro renovador com aquele que perdoa e apaga as nossas transgressões.
Essa é a expressão da riqueza da graça de Deus e do cristianismo: somos pecadores, mas conhecemos o Deus perdoador.

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