sexta-feira, 28 de junho de 2013

Sobre espiritualidade, religiosidade, gays e religiosos


Ainda que possa ser mal interpretado por alguns leitores, quero fazer uma tentativa de corrigir um equívoco antes que se torne erro histórico. Diante dos últimos acontecimentos envolvendo a bancada evangélica no Congresso, ou parte dela, e mesmo o posicionamento de alguns cristãos sobre as questões que envolvem a sexualidade de quem quer que seja, no último dia 26 ouvi a parte final de uma entrevista dada pelo cartunista Laerte ao jornalista Marcelo Tas, o primeiro um homoafetivo assumido e o segundo seguindo a mesma trilha. Na parte entrevista que ouvi, Laerte repetiu o bordão de que os crentes querem privatizar o sagrado, privando “os outros” do acesso a Deus – como se Deus fosse objeto da propriedade de poucos em detrimento de muitos. Ele concluiu dizendo que evangélicos são um malefício a sociedade, “gente nefasta” foram suas palavras, para ser rigorosamente honesto.

A espiritualidade é uma característica inerente do ser humano. Todos, sem exceção, são dotados dessa capacidade, até mesmo aqueles que se dizem ateus. Está na alma do sujeito e de lá não sai. Sendo assim – como de fato é – todas as pessoas que se sentem inclinadas ao transcendente irão querer buscá-lo, e toda ação, manifestação, reflexão, reza, leitura, ou seja lá o que for, é chamado espiritualidade. Cada grupo, povo, cultura ou pessoa pode desenvolver sua própria maneira de expressar e desenvolver a espiritualidade. E é bom que o façam, como também é saudável até mesmo para o corpo físico. Há estudos acadêmicos sobre isso.

Do outro lado há a religião. A religião é o modo como determinados grupos que professam a mesma fé e a organizam dentro dos moldes concebidos ou admitidos por eles mesmos. Variações podem ocorrer dentro de uma mesma tradição em função de influência cultural, regional e até mesmo econômica.

A religião, por ser mais organizada que a espiritualidade, deve seguir uma tradição que normalmente parte de um texto, de um rito específico, de um mito. Vem de longe a sua fundação, ao menos na maioria das tradições religiosas. O Cristianismo, por exemplo, toma a tradição judaica, que nos tempos de Jesus contava cerca de dois mil anos, e avança para uma reorganização segundo a interpretação dada por Jesus. Assim, o Cristianismo resgata textos do Antigo Testamento e produz nova tradição a partir desses textos, inicialmente registrada nos escritos do Novo Testamento.

Quando ouço homoafetivos acusando cristãos de quererem privatizar a religião, logo imagino o desconhecimento gerador de uma afirmação como essa. Pastores, padres, evangelistas ou quem quer que represente algum ramo da tradição cristã, católica ou protestante (ou outra), está apenas procurando reproduzir a organização daquela religião específica. A privação do acesso a Deus não cabe a ser humano algum, porque não está no âmbito da religião privar acessos, mas no espaço da espiritualidade.

Não cabe a qualquer líder religioso interferir na espiritualidade individual de quem quer que seja. Já o ensinamento religioso sobre determinada tradição sim, e para isso há um código produzido na fundação de cada tradição, que regula o modelo a se reproduzido pela religião. E o ensino sobre uma tradição religiosa deve contemplar também orientações sobre aquela espiritualidade. Assim, pessoalmente não acredito que uma tradição religiosa deva se abrir para práticas que não são contempladas por sua tradição. Do contrário, imagine um religioso interferindo no modo como a comunidade LGBT deve se comportar! Não faz sentido, embora a comunidade LGBT em tempos recentes não esteja respeitando o espaço destinado a manifestação do culto evangélico, numa atitude bastante reprovável.

Penso que um grupo que queira iniciar práticas rejeitadas ou mesmo reprovadas por uma tradição religiosa deva começar sua própria tradição, sua própria religião, sem interferir em algo que já está estabelecido e consolidado. Não são pastores, deputados evangélicos, padres, bispos, apóstolos que impedirão alguém de desenvolver sua espiritualidade, mas dentro de um grupo religioso, qualquer que seja, quem preserva a ortodoxia e a prática adequada deve ser respeitado, porque até isso é previsto por lei. E se alguém entende que uns são mais “ajustados” aos novos tempos do que outros, deveriam ao menos mostrar respeito como ponto inicial numa relação humana e apropriada a que pretendem fazer crer.

Um comentário:

  1. Caro Pr. Masgno,
    Brilhante exposição e argumentação digna de um raciocínio lógico bem estruturado. Sua conclusão coroa belamente a linha de discussão que adotou. Parabéns!

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