quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Quem são os fracos do cristianismo?

O estatuto acadêmico estabelece limites dentro dos quais cada pesquisador deve limitar o seu trabalho: história, filosofia, psicologia, sociologia, antropologia entre outras. Mas parece que quando o assunto é religião, impera o ditado "é a casa da mãe Joana"; qualquer um entende um pouco.
Ouvi a uma palestra da filósofa e poeta Viviane Mosé. Ela é bem conhecida na mídia e tornou-se bem popular após uma série que apresentou pelo Fantástico. Hoje participa de um quadro diário na rádio CBN-SP.
Pois Viviane falava sobre o pensamento do filósofo alemão F. Nietzche (1844-1900), quando, ao responder a uma pergunta sobre cristianismo, derrapou em pista sem curva:

"Dos fracos e oprimidos é o reino dos céus, dos aleijados, dos pobres de espírito. Se é mais fácil passar um camelo no fundo de uma agulha [do que entrar um rico nos céus], nós devemos ser pobres, fracos, tristes e aleijados".

Com algum esforço é possível rastrear a fonte dessa conclusão infeliz da filósofa, uma vez que ela deu resposta generalizante destacando uma especificidade, isto é, uma particularidade do cristianismo. Toda a influência da tradição judaico-cristã resultou em pessoas com as características acima? Não, absolutamente. É possível encontrar esses traços dentro de algumas seitas cristãs, em parte do catolicismo e do protestantismo pentecostal clássico. Ponto final.
As denominações históricas não produziram cristãos assim; o calvinismo menos ainda. Se incluirmos os neopentecostais, a fala dela fica ainda mais herética.
Mosé comparava o vigor do pensamento de Nietzche em estimular que o homem científico, movido pelas luzes da razão, em contraste com a fraqueza que a tradição judaico-cristã gera nos crentes. Mas que fraqueza é essa? Sua denúncia procede?
Os aleijados que encontraram-se com Jesus foram curados; sabemos isso, basta ler os Evangelhos. É uma indicação de que a condição deficiente não é desejável no cristianismo. Parte das curas realizadas por Jesus foram realizadas por vontade dele; parte, pela fé do necessitado, fé que o levou não somente a uma ação e movimento em direção a Deus, mas também trouxe a este indivíduo nova condição (algo que Nietzche cria surgir por outras vias. Como não sou filósofo, não vou me entrometer).
Jesus nunca disse que o Reino dos céus é dos tristes. Não sabemos de onde Mosé tirou essa conclusão. O que mais se aproxima dessa fala seria, a meu ver, "Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados" (Mateus 5.4),  um paradoxo como muitos outros encontrados nos Evangelhos. Há muitos motivos pelos quais se pode chorar.
O choro não é condição sine qua non do cristianismo. Paulo mesmo escreveu uma carta aos Filipenses conhecida como "a carta da alegria". Ele estava na prisão em Roma e incentivava os crentes na cidade de Filipos a alegrarem-se sempre e em toda a situação. Paulo era apóstolo de Jesus e, assim, não contradizia o seu Salvador.
Pode-se chorar por motivos vários: econômicos, sociais, políticos, filosóficos, inclusive. E se você precisa de consolo, a ciência chamada psicologia pode ajudá-lo. Portanto, chorar não é demérito, antes, próprio da natureza humana e cristãos [e ateus] são humanos e devem chorar.
Mosé ainda disse que a tradição judaico-cristã incentiva a sermos fracos e pobres, e em seguida encenou caricaturas de evangélicos em tal situação. Aqui ela equivocou-se seriamente. É preciso entender em que consiste a fraqueza e a pobreza com as quais o cristianismo coteja e, para isso, é preciso um pouco de conhecimento dos mecanismos da teologia, aparato que a filósofa não dispõe.
A fala de Jesus registrada por Mateus é: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mateus 5.3). Ela quis mostrar que Nietzche é superior em sua filosofia, pois Nietzche pregava que o homem deveria ser super-homem (do alemão ubermenshe). O homem com pensamento científico, racional, independe de Deus, da revelação e do milagre e cria, ele mesmo, o seu próprio destino. O homem se basta.
Jesus, ao contrário do que se pensa, não aplaude os espiritualmente fracos, antes, àqueles que erguem-se em atitude de fé e rompem com a sua natureza pecadora. Mas isso não é feito por fracos, pelo contrário, os fracos encontram força na fé no Filho de Deus e, por meio do espírito, abrem mão voluntariamente, livremente, despojadamente de seguir o curso e a ditadura das filosofias vigentes (no caso de Nietzche, o início da modernidade era a filosofia vigente).
A fala original de Jesus registrada por Mateus em grego é hoi makariói tó ptokói to pneumati, que quer dizer, felizes os pobres pelo [ou por meio de] espírito (to pneumati admite tradução "por meio de"). Assim, assumir a fraqueza odeão pobreza ou qualquer outra condição assumida por um crente é frutífera quando ele tira forças "pelo" ou "por meio do" espírito, e isso ele faz voluntariamente; é iniciativa sua, já que Jesus não o obriga a isso. É, portanto, atitude de gente forte, não fraca, uma vez que tal decisão o levará a renunciar o curso e padrões correntes, exigirá maior disposição e persistência frente a corrente contrária. Não há como chamar fraco e pobre alguém assim.
Se eu dissesse que Nietzche foi leitura de cabeceira de Hitler, não estaria errado, pois dizem que o conceito de ubermenshe (super-homem) inspirou o ditador ás barbáries que cometeu. Mas seria desonesto se eu tirasse essa informação do contexto da obra daquele filósofo e fizesse dela um cavalo de batalha. Também seria desonesto dizer o que alguns filósofos escondem, que Nietzche, o homem que criou o super-homem racional e científico, morreu num hospício. O que deu errado na experiência dele? Não é da minha conta.
O que sei é que os fracos, tristes, aleijados e pobres sustentam o cristianismo por dois mil anos, com todas as suas ambiguidades e paradoxos, e isso fazem incansavelmente.

9 comentários:

  1. Ilustre pastor Magno,
    Bravo! Palmas pela sua tão inteligente quanto corajosa defesa. Não há dúvida de que grande parte das pessoas entende Religião como assunto menor, o qual "cada um entende de um jeito". O trecho entre aspas destaca uma das maiores provas de ignorância de algum indivíduo sobre qualquer assunto.Por outro lado, a intelectualidade, mormente filosófica, julga poder opinar sobre todas as áreas, utilizando suas matérias específicas. Efusivos parabéns por sua brilhante defesa, própria de quem ama, estuda e conhece a Palavra de Deus. "Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois, é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. (Rm 1. 16).

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  2. Amigo Cristão! você acredita que:
    Krishna ao morrer, subiu aos céus?
    Osíris ressuscitou, subiu aos céus, onde julgava os mortos, separando-os conforme suas ações na terra?
    Mitra nasceu no dia 25 de dezembro, fazia milagres, morreu, ressuscitou e subiu aos céus?
    Dionísio (baco) transformava água em vinho?
    Buda ao nascer, já falava como um adulto?
    Zoroastro era filho de uma virgem de 15 anos, que fora fecundada por Auhramzda, um deus persa?
    Zeus era um deus que tivera diversos filhos gerados de seus encontros com mulheres mortais?
    (tudo isto antes de Jesus vir ao mundo)
    Não acredita?
    Então agora você sabe porque um ateu não acredita na bíblia e no deus cristão.

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    1. É fácil explicar e sem Freud, o por que Nietzche morreu louco, qualquer gênio não consegue con (viver) com visões estreitas e oriundas de "indução coletiva". Sobre as vertentes do cristianismo, a filósofa foi muito feliz ao discorrer sobre, assim como a vertente do calvinismo. Você está equivocado com relação a ele, e para interpretá-lo exige se estudo e muita sabedoria, embora respeite sua opinião, mas ele é uma leitura muita complexa, e não pode ser feita, de forma simplista assim. As influências do Filósofo inclusive, era filho e neto de protestantes, vieram de Arthur Schopenhauer, música de Richard Wagner. Quanto ao super homem, se é que se refere ao conceito da super potência, o filósofo acredita que é a "força motriz do ser humano" e não aceitar a cruz como fardo e sofrer apenas,ou seja a capacidade de ser resiliente frente as adversidades e não se deixar abater pelos percalços do caminho, que é necessário para fortalecimento e crescimento pessoal e não se abater. E, por fim sobre o Hitler, nada em a ver com ele, mas a pane mental de Nietzsche, em 1889, agravado pela doença, suas obras, que num primeiro momento ficaram sob custódia da mãe, logo passaram a ser administradas por sua irmã, Elisabeth Foester que deturpou a obra dele, vendia e ainda era uma ferrenha defensora do ditador contra os judeus. E sejamos honestos, a vertente do Cristianismo não é esta: quando algo ruim acontece o que dizemos: Foi Deus quem quis, irmão, cada um de nós tem uma cruz para carregar, ou seja do conformismo e o calvinismo o contrário, quem é vitorioso e próspero são os que estão próximos de Deus( se somos a imagem e semelhança dele, logo somos ricos, sãs e felizes). Como diz Voltaire, a religião é importante para a sociedade, porém não há dúvida que ela controla as massas, de acordo com suas necessidades.Se ele, você ou eu estamos equivocados, talvez, mas temos que respeitar e confrontar ideias, e não crer em tudo como verdade absoluta, era para isso que ele tanto assinalava. SDS.

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  3. Nilson, obrigado por sua participação. Você acredita que mito é história ou confunde lenda com fato? Se puder responder, saberá porque eu creio no Deus cristão.

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  4. Tavares, obrigado pelo comentário, o que sempre me dá incentivo para avançar.

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  5. Parabéns pelas reflexões tão em falta em nosso meio. Abraço.

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