Uma resposta aos inconformados com a Igreja
Hoje li um post feito por um amigo. Ele reclamava da situação da Igreja brasileira – muitas das reclamações eram as chamadas “mais do mesmo” – e dizia com todas as letras que não frequentaria mais a qualquer igreja, nem organizada, nem emergente, nos lares, nada. Desviou?
Segundo ele, é agora que ele será chamado essencialmente cristão. É agora que ele poderá fazer coisas como beber cerveja, dormir até mais tarde, amar sua esposa, ficar com seu filho, não ser espremido por agendas rigorosas e, principalmente, não ter que ouvir a pregações vazias e pedição de dinheiro para sustentar pastores. A igreja, segundo ele, distorce a vida cristã. Ele quer ser como Jesus, que – segundo ele – foi à sinagoga uma só vez na vida.
A situação da igreja brasileira é caótica. Convenhamos. Pesquisa feita por um conhecido que entrevistou mais de mil e setecentos pastores revela que 50,68% deles nunca leram a Bíblia toda uma só vez. Daí para a frente o que se pode esperar? A liderança pede muito dinheiro? Pede. Ela o desvia, vivendo nababescamente? Sim, muitos deles. Os cristãos, em boa medida, não sabem “do que estão sendo salvos”? É constatação; pensam que estão sendo salvos da falência no seu empreendimento, ou do divórcio, ou do filho morrer viciado em craque. No entanto, a Bíblia não trata, em primeira instância, desse tipo de salvação. Só que a maioria esmagadora dos neopentecostais não foi avisada sobre isso. Quem os avisaria? Aqueles pastores que nunca leram a Bíblia? Não, nós que lemos, relemos e insistimos que seja assim.
A Reforma Protestante ensina que os chamados gigantes, Lutero, Calvino, e outros tantos, não abandonaram a Igreja para fundar suas denominações nem a abandonaram alegando a sua falência iminente. Sabemos que na sua época “as visitas pastorais [de Lutero] a diversas igrejas revelaram uma miséria moral da qual não se fazia ideia. Os líderes eclesiásticos eram ignorantes, alguns nem sabiam recitar a oração do Senhor nem a confissão de fé. O povo era rude e refratário à instrução. Desconhecia o hábito da oração.” (1)
Calvino, nas Institutas, ensina porque a Igreja é necessária dizendo que a ação redentora e santificadora de Deus em favor do homem ocorre na Igreja, e não em outro lugar. Ele identifica a Igreja como organização de origem divina e confirma a doutrina suprema da Igreja citando duas máximas de Cipriano de Cartago: “Você não pode ter Deus como Pai, a menos que tenha a igreja como mãe” e “fora da Igreja não há salvação”. (2)
Depois de dois séculos o grande avivamento, e um nome se sobrepõe: John Wesley. Leia a sua história e ficará marcada em sua mente os milhares de quilômetros cavalgados ao lombo de seu cavalo percorrendo a Inglaterra para cuidar das suas sociedades metodistas: manutenção desse projeto de natureza divina chamado Igreja.
Outro grande nome a tratar da questão da validade da Igreja, em anos mais recentes, foi Dietrich Bonhoeffer. Bonhoeffer constrói sua cristologia e todo o seu edifício teológico a partir da sua compreensão da Igreja. A comunidade é a base para onde se desdobra a experiência cristã. Evidente que o autor não refere-se a instituição física da Igreja, mas a comunidade é, primeiramente a comunidade de fé, para depois chegar-se à comunidade político-social.
Dessa forma, esta introdução nanica que faço ao tema, esboça o que a história ensina – tanto menos que a própria Bíblia – que nada há de errado com a Igreja. O joio não é a Igreja. Pensar assim é tomar a parte pelo todo, e constitui erro perigoso de incorrer. A Igreja, sendo instituição de natureza divina, como diz Calvino, não tem em si qualquer problema; nós os temos. Ficar inconformado com desmandos e calamidades ocorridas nos nossos arraiais não é sensação das mais novas: o próprio Deus já ficou assim no tempo dos profetas do Antigo Testamento! Aqueles que lamentaram pela situação da Igreja em seu tempo não abandonaram-na, mas tentaram fazer o possível para que ela chegasse a um quadro clínico mais favorável. Reformar por dentro, é a expressão comumente usada aqui. Fato é que ninguém resolverá o problema sozinho, principalmente com manifestações individuais de protesto, já que um planta, outro rega, mas Deus é quem dá o crescimento.
E por que este artigo chama-se “Jesus ao pé da letra”? Exatamente para chamar a atenção que, para ser tal qual Jesus, todo cristão deverá viver a experiência cristã de depender integralmente da contribuição alheia, depender de ajuda financeira, acolhimento e moradia alheias, sem trabalho formal, sendo sustentado por terceiros – tal qual os pastores que hoje são acusados, na Igreja que alguns querem abandonar. Nossa interpretação de como a fé sadia pode ser interpretada e vivida nunca será das mais favoráveis. Não estamos em condições de levar Jesus ao pé da letra.
Leia também “Quem não gosta de Igreja, bom sujeito não é”.
1. Lutero, A. de Saussure. Ed. Vida, p. 108.
2. A vida de João Calvino, Alister McGrath. Cultura Cristã, p. 198.
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