segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ativismo: o preço do estresse e da impaciência

O pecado é querer ser sem limite. E, ao experimentar seus limites, o homem reage com ira, quanto mais busca superá-os e ultrapassá-los. Hans Bürki


Nós fomos enganados. Há aproximadamente vinte anos uma boataria começou a ser espalhada mundo afora prometendo redução na jornada de trabalho, menos tempo no escritório e nas fábricas e mais tempo com a família e lazer saudável para todos. Quem não ficaria encantado com promessas assim? Pois ouvimos muito palavras como essas na transição para a era digital, dos microcomputadores, da popularização da informática nos diversos níveis das atividades profissional e pessoal.

Com o advento e a massificação dos computadores pessoais – diziam – “nós os colocaremos para trabalhar”; eles estarão a nosso serviço e nós apenas diremos os comandos para que façam o trabalho pesado. Esse trabalho será feito com mais precisão, pois se trata de uma máquina, e com maior rapidez.

Ledo engano. De fato a precisão e a rapidez dessas máquinas são inegáveis. Lembro-me de um trabalho que levava 2 dias para executá-lo manualmente, ter sido feito em apenas 2 horas. E com uma precisão inquestionável. Fantástico! Muitas das promessas feitas foram cumpridas. O aumento da velocidade dos processadores ainda hoje é objeto de investimentos das grandes empresas e queremos mais!

Mas – sempre há um mas – houve efeitos colaterais que, provavelmente, não foram calculados. Dentre eles, o aumento da população nos grandes centros atingiu índices nunca antes imaginados e a globalização que acirrou a concorrência em nível mundial. A primeira questão diz respeito ao ocorrido no final da década de 1980 e início da seguinte, quando os grandes centros receberam uma considerável parcela da população rural. Intensificou-se a disputa por emprego e mão de obra qualificada. Na busca por melhores condições houve aumento da procura por cursos profissionalizantes e a educação continuada tem se tornado a condição sine qua non para defender o posto ocupado.

Mais oferta de profissionais, menor o preço – dos salários. Na negociação, leva a melhor quem oferecer mais trabalho por custo menor. Derruba-se, assim, o primeiro postulado: não vamos trabalhar menos e ter mais tempo com a família, pois ficaremos no escritório defendendo nosso emprego. E mais: ficaremos até mais tarde porque o computador “deu pau” e o trabalho tem que ficar pronto hoje.

Em segundo lugar a questão da globalização. No primeiro momento, a produção e os serviços visavam atender a demanda local e a concorrência era estabilizada de maneira ordeira. Todos estavam, via de regra, ocupados com suas tarefas e despreocupados com a própria posição no ranking. Mas no segundo momento, principalmente após as empresas começarem a ver a Internet como a maior de todas as vitrines, os produtos e serviços passaram a serem oferecidos do outro lado do globo. E os que vêm de lá custam metade do preço! A turma do “ranking estável” teve que se mexer e criar mecanismos para impedir que a concorrência varresse tudo. Houve quem não acreditasse que seria assim e o seu fim realmente foi a trágica falência ou a compra pelas empresas que apostaram no novo modelo de mercado globalizado.

Mas por que estou escrevendo isso tudo? O que isso tem a ver com ativismo, estresse e impaciência? Muito simples. Passamos, pelo menos na era digital, a trabalhar não mais 8 horas por dia, mas doze, quatorze, dezesseis horas. Alguns ainda levam trabalho para casa (num iPad ou NetBook, claro) e nos finais de semana ainda temos que dar aquela espiada nos emails.

Um profissional que trabalhe doze horas diariamente tem, de cara, todas as propensões a qualquer quadro emocional abalado ou patologia em decorrência da sua jornada. Ele passa doze horas no escritório, mas se morar em S. Paulo, por exemplo, pode gastar, ainda, 4 horas só no deslocamento (ida e volta) casa-escritório. Sobram 8 horas, que provavelmente não serão de pleno descanso. No máximo ele dormirá 6 horas e certamente serão noites mal dormidas, sono sem qualidade alguma do ponto de vista médico. Pesquisas recentes já apontam que o tempo de sono deve adequar-se ao biótipo pessoal; há estudos apontando as clássicas 8 horas como inadequadas a algumas pessoas, mas todos concordam que mesmo 6 horas por noite devem ter qualidade.

Que outros problemas podemos apontar em decorrência da jornada de trabalho ou do ativismo? Hipertensão, impotência, desequilíbrio emocional (que se manifesta em depressão, melancolia, esquecimento, choro sem causa aparente, impaciência), queda de cabelo, problemas no aparelho digestivo, diabetes, problemas cardiovasculares, sedentarismo, obesidade, elevação nos níveis de gordura e açúcar no sangue e por aí vai. A bem da verdade, todos sabemos disso. Mas como lidamos com essa situação? Planejando o tempo?

“O planejamento, essa auto-salvação moderna, pode, com certeza, melhorar as coisas por um tempo. No entanto, não estaríamos dessa forma reduzidos a justificar sem parar nossa existência pelo nosso rendimento e pela quantidade de trabalho que realizamos?” (Hans Bürki)

Antes de tudo, não podemos culpar os computadores por nosso ativismo. Eles continuam sendo máquinas que obedecem nossos comandos. Além do mais, Moisés viveu numa época distante dessas “maquininhas” e foi ativista de carteirinha. O grande legislador do povo hebreu passou os primeiros quarenta anos de sua vida no ritmo de um Egito em crescimento.

Vemos no início da peregrinação para a Palestina, que diante dos milhões de escravos sem qualificação, Moisés entendeu ser melhor acumular também as funções do judiciário, do legislativo e do executivo. Quase surtou. Foi preciso a intervenção sutil de seu sogro para que tudo fosse resolvido. Moisés aprendeu o que também nos ensinou, que delegar poder e dividir as tarefas é o modo mais saudável para que todo e qualquer mecanismo que envolva recursos humanos funcione bem. Alivia a tensão excessiva e a sobrecarga de responsabilidades, desenvolve potencialidades latentes, promove o envolvimento do grupo, agrega valores e visões que contribuem para o aperfeiçoamento contínuo.

Do ponto de vista estritamente espiritual, dá lugar para que o Espírito opere as diversas manifestações da sua graça: “Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um só corpo, assim também com respeito a Cristo. (...) E a todos nós foi dado beber de um único Espírito. O corpo não é feito de um só membro, mas de muitos” (1Co 12.12-14).

O trabalho não deve ser visto como maldição, pois muito antes da queda “o Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo” (Gn 2.5, ênfase minha). O trabalho é bênção para o homem, e ainda mais em dias como os nossos, quando as taxas de desemprego têm se elevado. O próprio Jesus dá indicação disso quando, falando a ouvintes de uma economia de base agrícola, afirma que Deus dá sol e chuva a bons e maus (Mt 5.45). Paulo também trata do assunto, chegando a dizer que “se alguém não quiser trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10). No entanto, a visão equivocada do que as Escrituras dizem sobre o trabalho e descanso é que tem levado a um posicionamento estremado e a um comportamento doentio.

Como ficou demonstrado, as pessoas passam até mais da metade do dia ocupadas com suas atividades profissionais. A concentração, no entanto, é exigida vinte e quatro horas por dia. Temos prazos para tudo, as cobranças não cessam. Clientes querem tudo agora. Celulares não nos permitem desconectar. Tudo isso num ambiente de concorrência acirrada e desonesta. Trabalhei com uma empresária que dizia sofrer de uma doença chamada urgência.

Os níveis de tensão são altíssimos. Como reagimos quando temos muito trabalho? Já experimentamos trabalhar calmamente mesmo tendo muito o que fazer? Qual o resultado inevitável? Estresse, a doença do final do século XX que trouxemos para o século XXI.

Vemos e ouvimos nos telejornais inúmeros casos de violência no trânsito causados pela impaciência, pelo nervosismo, pela falta de equilíbrio emocional e temperança. Uma fechada no trânsito ou uma buzinada fora de hora tem levado pessoas a cometerem assassinato em plena luz do dia. O que está havendo? Para onde caminhamos? Poderia sugerir inúmeras abordagens a essa questão. A sociologia tem uma solução. A engenharia de trânsito tem outra. A psicologia dá suas respostas. A religião também pode propor caminhos. Eu, no entanto, quero indicar uma abordagem que entendo central para a questão: o modo como vemos e lidamos com o tempo.

Preciso declarar, de antemão, fora minhas atividades com a família, igreja e alguns compromissos com palestras, que estou à frente do catálogo de 3 editoras, e não estou no silêncio de um mosteiro dizendo “que as coisas não podem ser bem assim”. Tenho estado no olho do furacão vez ou outra. A questão é real para mim e tenho lidado com ela.

Um texto que me ajudou a entender a importância do tempo em nossa vida foi Tempo para viver, de Hans Bürki (lançado no Brasil pela Arte Editorial). Bürki apresenta uma abordagem baseada na Criação. Citando Abraham Heschel, ele comenta que os rabinos seguem o seguinte raciocínio sobre esse assunto. “No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou (Gn 2.2). Então, o que foi criado no sétimo dia? A monouba: tranqüilidade, serenidade, paz e descanso.”

Os hebreus entendiam o sétimo dia, o sabat, não como a cessação de toda a atividade, mas um tempo criativo (em oposição ao ócio), não como simplesmente descanso físico, mas como tempo dedicado a Presença do Criador do próprio tempo chamado Eternidade. Dessa forma, o Salmo 90 (escrito pelo mesmo Moisés, autor do relato da Criação) vem revelar-nos que não é por sua característica intrínseca que o tempo nos escapa (isso já ocorria naqueles tempos!). É por causa do nosso pecado que nos esgotamos; é por causa da nossa maneira corrompida de viver nosso tempo que nos consumimos. Assim é que o próprio Salmo louva a eternidade de Deus, pois a nossa falta de tempo revela o quanto estamos mergulhados no pecado de não preparar um tempo para o Senhor.

“A maneira de viver o tempo se relaciona ao sentido que damos à vida. Para quem vivemos? A quem estamos vinculados? Essas perguntas estão na base da estruturação do nosso tempo”.

“Por trás da desordem visível, encontramos de novo uma desordem existencial ou fundamental. Por isso dizemos que mudar seu tempo significa mudar seu caráter, e que melhorar sua agenda não é apenas uma questão de técnica exterior e visível”.

Assim ele conclui afirmando que o descanso (sabat) nada mais é do que um momento de reviver no homem os privilégios do Paraíso, uma vez que o homem decide, escolhe parar sua atividades e criar “um espaço em sua agenda atulhada de atividades outras”, um tempo para si e para integrar-se com a mente e com os desígnios de Deus. Como Deus criou em seis dias e parou no sétimo, o homem deve procurar o mesmo.

“O sabat nos livra da tirania das coisas, da tirania dos objetos do espaço”.

Aprender a distinguir entre o urgente e o importante, e saber delegar são conhecimentos úteis que nos ajudam a controlar melhor o tempo. Mas isso são como podas em enormes árvores. É preciso tratar a questão na sua raiz e no caso o modo eficaz é assimilar e aplicar em nosso viver diário o conselho do Senhor: “No arrependimento e no descanso está a salvação de vocês, na quietude e na confiança está o seu vigor” (Is 30.15).

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