Este espaço foi criado para discutir diferentes assuntos a partir da cosmovisão cristã. O que pretendo é o debate de ideias e o aprofundamento nas questões que interessam a Igreja de modo geral.
terça-feira, 29 de maio de 2012
Heresias que mudam de roupa
Marcião, um homem rico, filho do bispo de Sinope, na região do Ponto, na Ásia Menor, é um conhecido herege da igreja no século 2. Para Marcião (ilustração acima), somente Paulo conseguiu entender o Cristianismo. No canon que compilou, Marcião incluiu dez epístolas de Paulo (sem as pastorais) e o evangelho de Lucas, mas excluiu todas as passagens que dessem a entender que Cristo considerava o Deus do Antigo Testamento seu Pai ou de alguma maneira era relacionado com Ele.
Seu pensamento dualista, derivado do gnosticismo, não enfatizava a tradicional tensão entre o bem e mal, mas se dava entre a justiça e o amor. O Deus do Antigo Testamento, a seu modo de ver, era justo, e o do Novo Testamento era amoroso, descontinuando assim o Cristianismo e de suas raízes históricas. (1) Jesus veio trazer a essência da verdadeira religião que não era a justiça como executada pelo Deus do passado, mas trouxe o amor.
Trocando em miúdos, tem sido dito que a justiça e seus desdobramentos não conseguem nem devem conviver com o amor. A tendência natural hoje em dia, dadas as convenções e concessões que os setores liberais da Igreja têm feito, é excluir a justiça como agente na experiência cristã e eleger somente o amor como critério validador dessa experiência. Erro marcionista com pelo menos dois mil anos de existência.
Sabemos que o amor é o bem maior, é mandamento, e deve pautar as ações mais nobres que pudermos realizar. A justiça, no entanto, não pode ser compreendida como a vilã porque o mesmo amor que rege as ações cristãs pressupõe a justiça. Ambos, amor e justiça, são virtudes inseparáveis que compõem o paradoxo do Cristianismo: felizes os que choram, é preciso perder para ganhar, aquele que morrer viverá entre tantos outros.
Vejo pregadores e escritores que amputam a justiça e o juízo de seus discursos como se fizessem um favor a seus ouvintes e leitores, ou mesmo ao próprio Cristianismo. Nada mais herege. Justiça e amor são claramente demonstrados na vida de fé, nas Escrituras e na história; eliminar um em função do outro para adequar-se aos discursos pós-modernos de inclusão, de tolerância e de igualdade é o mesmo que privar ou sonegar a experiência mais ampla e completa com a própria essência da fé, do religare e do autêntico Cristianismo.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos” (Mt 5.6).
(1) OLIVEIRA, Raimundo Ferreira de. História da Igreja. Campinas: FAETAD, 2000, p. 42.
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sexta-feira, 11 de maio de 2012
O retrato matemático de Deus
Um desejo antigo das pessoas de fé é ver a Deus. Moisés, há mais de três mil anos, expressou esse desejo e, mais recentemente, Filipe disse: “’Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta’. Jesus respondeu: ‘Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14.8,9, NVI).
Essa informação é central no Novo Testamento e a vemos em outros documentos. Paulo, por exemplo, está convencido que Jesus revela o Pai em sua totalidade, entendendo totalidade como aquilo que a nós, humanos limitados, é possível absorver, compreender e assimilar. Quando escreve aos colossenses, por duas vezes seguidas Paulo manifesta essa compreensão. “Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude” (Cl 1.19, NVI) e há uma alternativa na mesma NVI que traduz “Pois toda a plenitude agradou-se em habitar nele”.
Essa palavra plenitude traduz o grego pleroma, que também pode significar “aquilo que enche” ou “a plena divindade”. E Paulo a repete um capítulo depois, quando declara “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). Neste último versículo há um novo elemento, a informação corporalmente. Corporalmente traduz o grego somatikós, indicando que a plenitude da divindade não habitou o corpo espiritual de Jesus, mas o próprio corpo físico dele. Em outras palavras, Jesus manteve-se Deus plenamente enquanto era homem. Ele não precisou esperar sua morte e ressurreição para “tornar-se” Deus como sugeriram alguns escritores desde o primeiro século. Ele apenas esvaziou-se de sua glória mantendo seus atributos distintivos da divindade (Fp 2.5-11).
Para concluir, outro documento do Novo Testamento atesta a mesma compreensão de que em Jesus encontramos tudo aquilo que de Deus podemos perceber. Refiro-me à Hebreus 1.3, que diz: “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa”.
Que texto espetacular! Nele encontramos mais informações interessantes. A primeira delas é o grego karakter, aqui traduzido por expressão exata ou reprodução, representação exata. Em seguida temos hypóstaseos, que significa natureza, essência ou realidade. Jesus reproduz a exata natureza ou essência de Deus. Mas a frase original acrescenta uma ênfase: panton, indicando que Jesus é a expressão exata de todo o ser de Deus. Tudo o que de Deus podemos conhecer, em Jesus se manifesta.
E é essa exatidão quase matemática que atrai a minha atenção. Não que necessite de provas físicas para crer em Jesus pois é pela fé que o conhecemos, mas essa demonstração precisa, diria milimétrica, que remete a uma exatidão científica (para quem necessita dela) transmite a nossa alma a sensação do Emanuel, Deus está conosco, ele revelou-se da maneira mais absurda à criatura. Ele revelou-se do modo mais gritante, saiu do seu esconderijo celestial e literalmente habitou entre nós.
É fascinante conhecer um Deus assim, por esses meios, do modo como a Bíblia descreve.
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Essa informação é central no Novo Testamento e a vemos em outros documentos. Paulo, por exemplo, está convencido que Jesus revela o Pai em sua totalidade, entendendo totalidade como aquilo que a nós, humanos limitados, é possível absorver, compreender e assimilar. Quando escreve aos colossenses, por duas vezes seguidas Paulo manifesta essa compreensão. “Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude” (Cl 1.19, NVI) e há uma alternativa na mesma NVI que traduz “Pois toda a plenitude agradou-se em habitar nele”.
Essa palavra plenitude traduz o grego pleroma, que também pode significar “aquilo que enche” ou “a plena divindade”. E Paulo a repete um capítulo depois, quando declara “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). Neste último versículo há um novo elemento, a informação corporalmente. Corporalmente traduz o grego somatikós, indicando que a plenitude da divindade não habitou o corpo espiritual de Jesus, mas o próprio corpo físico dele. Em outras palavras, Jesus manteve-se Deus plenamente enquanto era homem. Ele não precisou esperar sua morte e ressurreição para “tornar-se” Deus como sugeriram alguns escritores desde o primeiro século. Ele apenas esvaziou-se de sua glória mantendo seus atributos distintivos da divindade (Fp 2.5-11).
Para concluir, outro documento do Novo Testamento atesta a mesma compreensão de que em Jesus encontramos tudo aquilo que de Deus podemos perceber. Refiro-me à Hebreus 1.3, que diz: “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa”.
Que texto espetacular! Nele encontramos mais informações interessantes. A primeira delas é o grego karakter, aqui traduzido por expressão exata ou reprodução, representação exata. Em seguida temos hypóstaseos, que significa natureza, essência ou realidade. Jesus reproduz a exata natureza ou essência de Deus. Mas a frase original acrescenta uma ênfase: panton, indicando que Jesus é a expressão exata de todo o ser de Deus. Tudo o que de Deus podemos conhecer, em Jesus se manifesta.
E é essa exatidão quase matemática que atrai a minha atenção. Não que necessite de provas físicas para crer em Jesus pois é pela fé que o conhecemos, mas essa demonstração precisa, diria milimétrica, que remete a uma exatidão científica (para quem necessita dela) transmite a nossa alma a sensação do Emanuel, Deus está conosco, ele revelou-se da maneira mais absurda à criatura. Ele revelou-se do modo mais gritante, saiu do seu esconderijo celestial e literalmente habitou entre nós.
É fascinante conhecer um Deus assim, por esses meios, do modo como a Bíblia descreve.
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sábado, 5 de maio de 2012
Suas expectativas são legítimas?
Por natureza o homem cria expectativas à partir das situações que vive. Ele tem expectativas sobre seu cônjuge, sobre seus filhos, sobre sua profissão, sobre seus amigos, expectativas pessoais, políticas e religiosas. Vamos nos concentrar nessas últimas.
As expectativas que criamos no campo religioso não vêm necessariamente de nós, mas do discurso religioso, das palavras e promessas feitas. Assim, toda pregação pode despertar expectativas as mais diversas. Se a pregação for honesta com o conteúdo da Bíblia, ela provocará as expectativas legítimas, aquelas que o Senhor quer despertar em nós. Se a pregação "usar" a Bíblia para despertar falsas expectativas ou expectativas erradas, nós poderemos ser iludidos ao alimentar esperanças que a Bíblia não pretende dar a ninguém.
No entanto, diante de uma necessidade pessoal, podemos distorcer o sentido da mensagem para fazê-lo ajustar-se às nossas expectativas. Se a mensagem diz, por exemplo, que o Senhor nos dará a vitória no final, indicando que a Igreja será arrebatada e irá para o céu, alguém poderá entender que o pregador está afirmando uma vitória financeira no final da luta e da prova, quando na verdade a mensagem não tratava de um assunto financeiro.
Há casos nos quais o próprio mensageiro, ou líder, cria expectativas erradas sobre a mensagem que transmite. O profeta Jonas é um caso típico. Após denunciar Nínive e acusar o seu pecado, o profeta subiu a uma colina e ficou ao longe aguardando a destruição daquele povo. Mas, a mensagem surtiu efeito pretendido por Deus e o povo arrependeu-se, dando ocasião ao perdão que poupou a cidade da destruição. Jonas, que queria ver o mal daquele povo pecador, ficou indignado, já que não contava com o efeito real, positivo e libertador da mensagem que ele mesmo anunciou.
O principal meio de proteger-se de expectativas enganosas, irreais, criadas a partir de uma mensagem religiosa, cristã ou não, é conhecer o conteúdo e o contexto do seu texto fundamental. A leitura da Bíblia, no caso dos cristãos, dará ao leitor orientações especiais e realísticas sobre o tema principal da sua mensagem: a salvação. O leitor deve saber que esse é o assunto geral da Bíblia e o motivo pelo qual ela foi escrita.
O leitor também deverá levar em conta o tema do livro que deu origem à mensagem. Por exemplo, dizer que o livro de Jó ensina que orar pelos inimigos é o segredo para receber bênçãos em dobro demonstra uma expectativa falsa. O tema principal e o motivo pelo qual este livro foi escrito é o sofrimento humano. Todos os outros subtemas no livro são de valor secundário. O comportamento humano frente ao sofrimento, as causas do sofrimento, a participação de Deus e o Diabo no sofrimento, tudo isso não constitui o tema principal do livro.
O mesmo vale para uma mensagem. Quando você lê ou ouve uma mensagem, deve considerar se ela faz jus ao texto (versículo ou porções bíblicas utilizadas) que dão a ela a sua base, o seu tema ou a proposição da mensagem. Desprezar isso dará a você, seguramente, a oportunidade de criar expectativas falsas. E como o Senhor não tem compromisso com expectativas falsas - o Seu compromisso é com a sua Palavra - o maior prejudicado será você. Esse não é o objetivo de boas mensagens, de mensagens honestas com o conteúdo da Bíblia. Por isso, seja vivo e preste atenção. Crie expectativas reais e seguras e mantenha a sua saúde espiritual - e emocional também!
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As expectativas que criamos no campo religioso não vêm necessariamente de nós, mas do discurso religioso, das palavras e promessas feitas. Assim, toda pregação pode despertar expectativas as mais diversas. Se a pregação for honesta com o conteúdo da Bíblia, ela provocará as expectativas legítimas, aquelas que o Senhor quer despertar em nós. Se a pregação "usar" a Bíblia para despertar falsas expectativas ou expectativas erradas, nós poderemos ser iludidos ao alimentar esperanças que a Bíblia não pretende dar a ninguém.
No entanto, diante de uma necessidade pessoal, podemos distorcer o sentido da mensagem para fazê-lo ajustar-se às nossas expectativas. Se a mensagem diz, por exemplo, que o Senhor nos dará a vitória no final, indicando que a Igreja será arrebatada e irá para o céu, alguém poderá entender que o pregador está afirmando uma vitória financeira no final da luta e da prova, quando na verdade a mensagem não tratava de um assunto financeiro.
Há casos nos quais o próprio mensageiro, ou líder, cria expectativas erradas sobre a mensagem que transmite. O profeta Jonas é um caso típico. Após denunciar Nínive e acusar o seu pecado, o profeta subiu a uma colina e ficou ao longe aguardando a destruição daquele povo. Mas, a mensagem surtiu efeito pretendido por Deus e o povo arrependeu-se, dando ocasião ao perdão que poupou a cidade da destruição. Jonas, que queria ver o mal daquele povo pecador, ficou indignado, já que não contava com o efeito real, positivo e libertador da mensagem que ele mesmo anunciou.
O principal meio de proteger-se de expectativas enganosas, irreais, criadas a partir de uma mensagem religiosa, cristã ou não, é conhecer o conteúdo e o contexto do seu texto fundamental. A leitura da Bíblia, no caso dos cristãos, dará ao leitor orientações especiais e realísticas sobre o tema principal da sua mensagem: a salvação. O leitor deve saber que esse é o assunto geral da Bíblia e o motivo pelo qual ela foi escrita.
O leitor também deverá levar em conta o tema do livro que deu origem à mensagem. Por exemplo, dizer que o livro de Jó ensina que orar pelos inimigos é o segredo para receber bênçãos em dobro demonstra uma expectativa falsa. O tema principal e o motivo pelo qual este livro foi escrito é o sofrimento humano. Todos os outros subtemas no livro são de valor secundário. O comportamento humano frente ao sofrimento, as causas do sofrimento, a participação de Deus e o Diabo no sofrimento, tudo isso não constitui o tema principal do livro.
O mesmo vale para uma mensagem. Quando você lê ou ouve uma mensagem, deve considerar se ela faz jus ao texto (versículo ou porções bíblicas utilizadas) que dão a ela a sua base, o seu tema ou a proposição da mensagem. Desprezar isso dará a você, seguramente, a oportunidade de criar expectativas falsas. E como o Senhor não tem compromisso com expectativas falsas - o Seu compromisso é com a sua Palavra - o maior prejudicado será você. Esse não é o objetivo de boas mensagens, de mensagens honestas com o conteúdo da Bíblia. Por isso, seja vivo e preste atenção. Crie expectativas reais e seguras e mantenha a sua saúde espiritual - e emocional também!
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