"Nós somos tolos por causa de Cristo, vós, porém, sois prudentes em Cristo. Nós somos fracos, vós fortes; vós sois honrados, nós somos desprezados" (1Co 4.10).
A igreja em Corinto apresentou muitos problemas e de diversas naturezas. Problemas morais, doutrinários, éticos, de educação, de respeito, entre outros. Em sua primeira carta àquela comunidade, Paulo empenhou muito esforço na tentativa de recolocá-los nos trilhos por conta dos problemas deles, já que na segunda carta seu maior esforço foi defender sua própria autoridade como apóstolo.
O versículo acima foi escrito quando Paulo lidava com duas questões específicas. Uma, o orgulho ufanista dos coríntios. A outra, a pretensa sabedoria alegadamente possuída por eles. Os corintios orgulhavam-se de algum bem ou situação social confortável, o que fica claro na ironia de Paulo no verso 8: "Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós reinastes!"
Está claro o deboche do apóstolo, ainda mais à luz do próprio versículo 10 transcrito acima. O experiente Paulo seria tão ingênuo assim que teria sofrido os males para que somente os corintios pudessem colher os bens? Ora, isso não é cogitado, Paulo sabe que se algum bem tão valioso pudesse ser desfrutado pelos cristãos, ele seria um dos primeiros, senão o primeiro, a ter ciência e a desfrutar.
O outro problema é a alegada posse de alguma misteriosa sabedoria, algo que os coríntios passaram a crer e do qual orgulhavam, mas que não estava alinhado ao que o apóstolo ensinava. Provavelmente a igreja tinha permitido a invasão de conceitos gnósticos, sincréticos, ocultistas até. Uma alegada doutrina que Paulo também está combatendo, especialmente a partir do versículo 6, quando diz para "não ir além do que está escrito".
Não se sabe a que texto ou fonte o apóstolo está se referindo; a pesquisa recente não responde a isso. O contexto e, novamente, a ironia é que revelam o desprezo de Paulo pela suposta revelação misteriosa, "a chave espiritual" que abrira aos coríntios a porta dos mistérios espirituais. Que tolice! Paulo desdenha a tudo isso.
A situação estabelece um abismo entre os espirituais de Corinto e os missionários que trouxeram o evangelho. Eles se consideram sábios, fortes e honrados, enquanto os apóstolos são fracos e desprezados (G. Brakemeier).
Como se descolássemos a cena da Ásia Menor e a transplantássemos na América Latina, a Igreja no Brasil tem grupos que se identificam com os coríntios nos mesmos problemas. Há quem pense ter descoberto no evangelho o toque de Midas, que a tudo transforma em ouro e riquezas vindas do dono do ouro e da prata. E também temos por aqui os novos sábios, que de repente descobriram uma chave hermenêutica que invalida tudo o que foi ensinado até aqui, nos últimos dois mil anos.
Tenho comigo que o apóstolo não mudaria a sua maneira da tratar o problema, caso desembarcasse por aqui. Ele continuaria irônico, sustentaria a sua situação com as próprias limitações e não mudaria a sua mensagem. Ele já havia preparado a sua defesa, quando antecipou-se dizendo ser "servidor e mordomo dos mistérios de Deus" (v. 1), indicando que "o que se requer dos mordomos é que seja encontrado fiel" (v. 2), já que "o Senhor trará à luz as coisas ocultas e revelará os desígnios dos corações" (v. 5).
Aí, então, será visto quais são os tesouros legítimos e a verdadeira sabedoria vinda de Deus.
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