sexta-feira, 25 de novembro de 2011

De “pé de anjo” ao pé de meia... ou Um pé de quê?

Está rolando na internet uma declaração feita por um ex-jogador de futebol, ídolo do “clube da Av. Marginal s/nº”. Ele foi membro de uma Assembleia de Deus em S. Paulo por um tempo e agora declara que na IRUD, numa atitude de fé onde doou oitenta e poucos mil reais, ele livrou-se de ter de pagar uma multa em favor do Corinthians e ainda foi indenizado na quantia de R$ 2 milhões.

Já declarei em outros textos e em algumas de minhas palestras que não duvido do poder de Deus para abençoar pessoas, seja essa bênção da natureza que for: espiritual, emocional, financeiras, moral etc.

Quando eu frequentava centro de umbanda, isso na década de oitenta, eu pedia aos pais de santo que falassem com os guias, com os caboclos, que dessem uma “forcinha” para eu melhorar de vida, para não faltar uma namoradinha no meu dia-a-dia, para não deixarem eu ter problemas. Olhando em perspectiva, vinte anos após minha conversão, vejo que hoje sou imensamente mais abençoado que naquele tempo.

Mas por que eu disse isso? Para comparar a motivação que me levava a um centro de umbanda com a motivação com que muitos homens e mulheres (já não os chamo “cristãos”) têm procurado Jesus (ou Gizuz, como diz o Danilo). A noção da verdadeira riqueza da graça de Deus foi, definitivamente, abandonada. Não estou, com isso, julgando a vida devocional de ninguém, nem fazendo juízo do coração alheio, mas foi o próprio Jesus quem disse que “a boca fala do que o coração está cheio”. O que eu devo pensar diante disso?

Será que esses artistas, atletas e tantos outros membros de igreja não têm pastor para ensinar o que é e para que serve a igreja? Ou estão, eles mesmo, interessados em transformar as casas de oração em casas de câmbio? Não há nada melhor para testemunhar em favor da igreja (ou do poder de Deus) do que o extrato bancário? Esse pessoal não se cansa.

Dinheiro é bom e eu gosto, mas um testemunho dessa natureza poderia ser pauta num bate papo de sexta-feira numa lanchonete, ou na pizza de sábado a noite. Ir ao ar em rede nacional para dizer isso é de uma mediocridade sobrenatural, é de uma pequenez absurda, de uma insensatez continental. E pergunto novamente: esse moço não teve pastor para orientá-lo?

E por fim, não demora muito para trocarem o apelido do rapaz. O pé de anjo logo será chamado “Pé-de-coelho: aquele que tira você da merda e dá a você um pé de meia”. E Gizuz vai dar um pé no traseiro de quem põe o coração nos tesouros dessa vida. Não tenha dúvida.

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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Se não entender a pergunta, não responda

Havia em Jerusalém um tanque chamado Betesda, cujas ruínas ainda estão lá, cfme. foto (João 5.1ss). Sabe-se que naquele espaço se reuniam doentes, inválidos e deficientes que aguardavam um milagre atribuído à Deus quando as águas eram agitadas. Mas não é essa a questão neste texto.

Os versículos 5 e 6 dizem: “Um dos que estavam ali era paralítico fazia trinta e oito anos. Quando o viu deitado e soube que ele vivia naquele estado durante tanto tempo, Jesus lhe perguntou: ‘Você quer ser curado?’.” Há duas respostas cabíveis a esta pergunta: Sim ou não. “Sim, evidentemente quero ser curado” ou “Não, estou acostumado e acomodado à minha situação e se sair daqui não tenho para onde ir”.

Mas aquele homem não deu qualquer uma dessas respostas. Ele me surpreende ao dizer: “Senhor, não tenho ninguém que me ajude a entrar no tanque quando a água é agitada. Enquanto estou tentando entrar, outro chega antes de mim”.

Que absurdo! Além de ignorar a questão levantada ele conseguiu atribuir aos seus “amigos de tanque” a culpa por ele estar há tanto tempo na fila do milagre. Em outras palavras ele disse que a demora para a sua cura se dava porque ninguém ali era seu amigo. Quando decidiam ajudar alguém, ele era preterido e outro, ainda que com menos “tempo de casa”, recebia a ajuda e era curado.

Esse paralítico não sabia quem era Jesus. Sua fama corria Israel de norte a sul e o paralitico ignorava a grandeza de Jesus. A oportunidade bateu-lhe à porta, mas as circunstâncias impediram-no de agarrá-la. Além da disposição de realizar o próprio milagre, ele precisou da compreensão e tolerância de Jesus em superara deficiência de um homem tacanho, de físico paralítico e alma cega.

E nós, será que entendemos as mensagens, percebemos as oportunidades e sabemos ao certo quem é Jesus? Porque respostas temos dado; falamos muito sobre a história de Jesus, mas conhecemos o Jesus da história? Receio que muitos de nós não saibamos nem uma coisa nem outra.

Entramos na fila do milagre acreditando que o poder reside nas águas e não naquele que as faz ficarem agitadas. Sem um relacionamento real e pessoal com Jesus, ficaremos a vida toda à espera de intermediários em vez de recorrermos à origem e fonte da graça de Deus.

E por fim, se não entramos no tanque, logo atribuímos a culpa a outro, preservando a nossa integridade, quando nem ao menos entendemos a pergunta que tem sido feita. Dizemos saber muito sobre a igreja, sobre a Bíblia, sobre Deus. Temos respostas na ponta da língua a todo e qualquer enigma proposto, a toda e qualquer situação. Mas temos dado as respostas certas às demandas e às necessidades daqueles que nos cercam?

Temos a resposta, mas ela responde a pergunta que é feita?

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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Lições que aprendi subindo o Sinai

Que fique claro aos teólogos de plantão que não acredito ser possível identificar com exatidão qual das montanhas da cordilheira do Sinai foi escalada por Moisés. Ainda que a Igreja Católica tenha edificado uma capela num de seus cumes, ninguém pode fazer uma afirmação categórica sobre a questão. Mas vamos às lições.

Saímos do hotel às 0h30 para iniciarmos a subida trinta minutos depois, guiados por um rapaz beduíno, povo que vive no deserto e explora a região, com anuência do governo do Egito, atuando como guias e vendendo artesanato.

Éramos 23 pessoas, homens e mulheres, uns mais jovens e outros nem tanto. Inicialmente ficou combinado que um pastor iria atrás do grupo e eu à frente, imediatamente atrás do beduíno. Isso fez muita diferença, pois já no início da subida pude observar como esse beduíno, que nasceu e viverá toda a sua vida no deserto, faz para deslocar-se no escuro, em meio a pedras num terreno irregular, e encarar uma subida de mais de sete mil metros de caminhada!

O beduíno não anda em linha reta encurtando o caminho. Ele anda – isso sim – em ritmo constante, mas procura caminhos que não exijam esforço extra. Seu caminhar é ritmado, constante no trocar seus passos e com isso se tornam mais desenvoltos.

Lição 1: na vida cristã, na jornada da fé, não procure subir rápido, não procure chegar antes e não acelere o passo enquanto desfruta mais fôlego. Sendo constante, ritmado e desviando de pedras e degraus mais altos que exigem uma arrancada desnecessária, você fará esforço apropriado e chegará bem e saudável ao alto do monte.

A quinze minutos do pé do Sinai há um hotel que os peregrinos usam como base. No lobby do hotel há lojas e duas delas alugam ou vendem luvas, gorros e cajados. Aluguei um, pois se o pessoal local indica é porque alguma função devem ter.

E de fato têm. Na subida do monte o cajado ou a vara, pouco maior que uma bengala, ajuda a se equilibrar quando pisamos em falso, seja numa pedra, seja num degrau ou em tantas outras coisas que podem ser encontradas no caminho. Aquela vara ajuda também como apoio e reduz o esforço feito pelas pernas, já que parte do impulso pode ser concentrada nos braços.

Na descida, fiquei impressionado como aquela peça foi útil! Todo o peso do corpo recai nos joelhos, já cansados da longa subida. Mas a vara, além de ajudar também no equilíbrio ao descer, serve como freio para os joelhos já vacilantes.

Lição 2: o apoio do cajado na trilha cristã, o alívio na subida e o controle na descida nunca devem ser descartados. Penso que o salmista tinha exatamente isso em mente quando escreveu: “Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem.” (Salmo 23.4, ênfase minha)

E a última lição. Embora tenhamos combinado quem iria à frente e quem seria o último no grupo, fizemos vários revezamentos, alternando nossas posições a fim de que um avançasse e outro descansasse e vice-versa. Hora eu seguia os passos do guia beduíno, hora eu esperava alguma irmã mais cansada a recobrar o fôlego. No final, todo o grupo chegou bem ao cume do monte e pudemos apreciar o raiar do sol, que é um dos objetivos perseguidos por todos quantos sobem o Sinai: chegar a tempo de ver o sol nascer.

Lição 3: a noção que o apóstolo Paulo nos dá de que somos membros uns dos outros (1Co 12) jamais pode ser esquecida. Nem mesmo um líder, tendo sido destacado para estar à frente do rebanho, pode deixar de entender que nem sempre deverá estar à frente. Para que todos cheguemos ao objetivo proposto, sem que ninguém seja deixado para trás, há que haver alternância de posições de acordo com as demandas da ocasião. Ninguém é tão ilustre que possa ser dispensado de lavar os pés dos mais simples. Por isso é preciso perceber o momento de estar à frente, como também o momento de esperar por outros mais vagarosos.

Se você gostou e entendeu essa mensagem, indique a alguém. Embora alguns tenham mais ou menos facilidade, ou estejam mais acima ou mais abaixo na mesma trilha, todos estamos subindo o monte.

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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Somos tão idólatras quanto eles

Neste mês de novembro de 2011 liderei um pequeno grupo numa caravana pelo Egito e Israel. A viagem em si ensinou-me muitas lições e deu ocasião para refletir sobre alguns pontos de nosso cristianismo, os quais espero poder compartilhar em alguns posts aqui neste espaço, começando com uma ocorrência na cidade de Belém.


Numa tarde chuvosa o itinerário contemplava uma visita à Igreja da Natividade, um dos muitos pontos turísticos de interesse cristão dominados pela Igreja Romana. Cristãos evangélicos ou protestantes, notadamente aqui no Brasil, têm sérias restrições a qualquer aproximação com os católicos. Motivo maior: a idolatria. “Eles” são idólatras; “nós” não. Será?

Dos pontos visitados durante os dias que ficamos em Israel, muitos deles ocupados por paróquias ou conventos católicos, essa Igreja da Natividade é a mais carregada de ícones e de outros muitos objetos como candelabros dos séculos 2 e 3, altares, telas, esculturas em ouro e bronze, enfim (a imagem acima é uma parcial do altar principal). A igreja é escura e há ritos ortodoxos mesmo durante as visitas. No subsolo fica o ponto onde, segundo a crença, foi o local no qual a manjedoura estava quando Jesus nasceu.

Muitos dos irmãos presentes, pastores, obreiros e leigos, sentiram-se mal ali. Disseram que o lugar era “opresso”, e saíram antes mesmo de o guia local terminar as suas explicações.

A idolatria católico romana se dá sobre imagens, sejam de telas e pinturas, seja de esculturas e amuletos. Atribuem-se a elas supostos poderes de mediadores entre o homem e Deus, mas há católicos que as encaram simplesmente como referências a santos do passado que devem ser imitados hoje.

Mas olhando para o nosso arraial também encontramos nossos próprios ídolos. Há pregadores que se tornaram ídolos; “se eles não pregarem é impossível que Deus fale durante um culto”. Há cantores que se tornaram ídolos; “se eles não cantarem achamos impossível uma reunião ser animada e festiva”. Mas não paramos aí.

Há desejos nutridos por uma pregação triunfalista que foram tornados ídolos. Saúde, riqueza, promoções, conforto. É o evangelho do sofá e não da cruz; a mensagem da network, não do discipulado. Esses são os ídolos evangélicos adorados em praticamente toda e qualquer igreja. Temos nossos ídolos também e os cultuamos na expectativa de que sejamos favorecidos de alguma forma a alcançarmos os bens que deles podemos receber.

Os católicos ainda têm uma desculpa, já que as artes sacras foram introduzidas, em boa parte, no período quando a Palavra de Deus só existia em cópias em latim e o povo mal era alfabetizado. Muitas dessas pinturas cumpriram o papel catequético quando o povo não podia ler qualquer passagem bíblica.

Já os idólatras evangélicos têm Bíblias de estudos e com comentários aos montes; não faltam versões do texto sagrado. Mas era preciso entornar o caldo, então criamos nossos próprios ídolos para adorá-los e cultuá-los: segurança, conforto, proteção e muitas das bênçãos que não foram apontadas por Jesus como sendo devidas a nós. Muitas delas são promessas feitas aos judeus que “saqueamos” e tentamos desfrutá-las. Pense em algo que você deseja: basta pedir ao São Receba Agora ou a Santa Campanha da Vitória. Esses são os nossos ídolos.

Pobres católicos levam a fama, mas os mais idólatras de verdade somos nós.

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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Feridas do esquecimento

Hoje quero compartilhar um texto de outro autor, do amigo pastor Estevam Fernandes de Oliveira. O texto é muito significante, especialmente para quem vive nas grandes cidades e habitua-se a valorizar aquilo que não tem tanto valor assim. Espero que gostem.

Certa vez, tomei conhecimento de um episódio impressionante, que causou um forte impacto sobre a minha vida, especialmente no que diz respeito à importância dos relacionamentos significativos da vida e de como eles se tornam periféricos em nossos dias, sobretudo, por conta do individualismo que tem marcado a nossa geração.  

Quando foi receber o prêmio Nobel da Paz, em 1979, Madre Tereza de Calcutá fez menção a uma visita que fizera a um dos mais luxuosos asilos para idosos, na América. A beleza e o luxo deixaram-na impressionada. Contudo, algo a impactou mais ainda: os velhinhos ali colocados pelos próprios filhos tinham no rosto uma profunda expressão de tristeza. Ela, intrigada, indagou a si mesma: “por que tanta tristeza e expressão de dor naquelas pessoas, apesar do conforto material que as rodeava?”

De repente, percebeu que todos eles olhavam para uma grande porta. Curiosa, perguntou à sua acompanhante: “Por que todos olham para a mesma porta? E por que não conseguem sorrir?” A responsável pela visita respondeu-lhe: “Eles olham para aquela porta porque esperam ansiosamente a visita dos filhos, e este semblante triste e distante que trazem no rosto é porque se sentem feridos. Acham que foram esquecidos por seus familiares. Infelizmente, de fato, foram esquecidos pelos seus”.
As pessoas ao nosso redor estão famintas não só de pão, mas de afeto também. Existe uma profunda fome de amor, alegria, reconhecimento, gratidão, paz e companhia, debilitando a existência de muitos. Na verdade, por trás de tudo isso, o que existe mesmo é uma dolorosa fome por relacionamentos significativos. Fome de reconhecimento e afetividade. 

Aliás, todos estamos famintos. Até mesmo a pessoa mais bem alimentada traz consigo uma fome interior no coração. Esta fome está presente no mundo todo de hoje! É a fome de significado, uma necessidade de não ser esquecida.

Muitos estão olhando para uma porta, exatamente aquela que lhe possibilitará, de maneira verdadeira, sem nenhum risco de rejeição, compartilhar aquilo que eles realmente são. O desejo de um abraço
sincero, de uma palavra amiga, de um gesto de carinho e de um olhar de aceitação tem deixado muitos com os olhos fixos em uma espécie de “porta de esperança”, pensando: “Quem sabe, algum dia, alguém se lembrará de mim e virá visitar-me?”

Dolorosamente, muitas casas hoje se transformaram em estranhos asilos por conta do isolamento, da solidão e da frieza com que são tratadas as pessoas que ali residem. São vidas exiladas em suas próprias casas. Quando isto acontece, a angústia obriga as pessoas a procurar um alento. Elas precisam enxergar a esperança, ainda que tardia. É a fome de vida que as força a olhar para uma porta qualquer. 

Enfim, os asilos estão por toda parte. Para curar a dor e as feridas da alma, aprendamos a compartilhar o amor com o próximo e, acima de tudo, fixemos os olhos em Jesus Cristo, que é Porta da esperança e a Companhia na solidão. Ele sara as feridas do esquecimento!     


Pastor Estevam Fernandes de Oliveira

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Um antigo rei judeu e a pós-modernidade

Davi sempre é lembrado como um "homem segundo o coração de Deus". Esse é o seu principal e mais virtuoso adjetivo. Mas quero usar, sem denegir a sua imagem, uma de suas características negativas que demonstram a complexidade da natureza humana.
É fácil pensar que um homem da estatura de Davi esteja "protegido" de rebaixar a sua condição, de descer a um nível moral repugnante. Engano. Nossas mais virtuosas experiências, nossos mais brilhantes conhecimentos e a mais admirável virtude espiritual ou moral não nos imunizam de sermos lançados na sarjeta social num só instante.
Após tornar-se um gigante na fé, Davi assumiu as rédeas, o controle de suas atitudes para ver-se despencar na vida moral e espiritual, entregando-se visceralmente a um adultério e promovendo o homicídio de um inocente.
Em 2Samuel 11.25 vemos Davi “brincar" de senhor do destino e em 2Samuel 12.5 o vemos adotar o lema: "o que vale para os outros não vale para mim", flagrante resultado das práticas ocasionais adotadas como licensa moral. O ser humano recorre à autopremiações e concessões após um período de resignação e de repetidos acertos.
De igual modo, pensar na atual humanidade como adulta tem promovido um descolamento natural da confiança e dependência de Deus, e estas ficam vistas como alienação da realidade. Deus é chamado de bengala motivacional ou projeção de expectativas elevadas e a religião de entorpecente das massas ignorantes e retrógradas. Nesse cenário, numa sociedade dinâmica como a nossa, cogitar o "fator Deus" é irresponsabilidade. Depender de Deus é ser insensível ao bom senso e à coerência, e principalmente à racionalidade. Até mesmo intolerante!
Davi se mostra autoconfiante, autosuficiente: ele se basta! Neste momento de sua vida ele tipifica o homem pós-moderno.
Mas Davi erra quando tira férias de suas responsabilidsades como rei, do seu dever como soldado. A espiritualidade da vida cristã não se constitui só de atividade ou de liturgia, de engajamento nem negação dos deleites e desfrutes terrenas. Se há que desfrutar algum dom, é preciso saber a hora certa e o tempo de Deus para isso.
Todos os gigantes na fé, homens com a estatura de um Davi, atravessaram situações semelhantes. Abraão, o pai da fé, agiu como filho do Diabo quando mentiu. Jó foi surpreendido, pois aquilo que ele temia lhe sobreveio. Moisés viveu uma crise de descontrole. Pedro abriu deu ocasião a uma declaração maligna e foi excessivamente autoconfiante diante do próprio Jesus. Os filosofos modernos e pós-modernos apoiariam a todos eles.
Immanuel Kant (1724-1804), o maior filósofo da modernidade disse: “Age de tal modo que a máxima da tua ação possa sempre valer também como princípio universal de conduta”. Em outras palavras, esta afirmação ensina que o homem, então, torna-se o “criador” do seu mundo, da moralidade, das referências válidas. Se nos sentimos inclinados a mentir, basta apenas que perguntemos: “Gostaríamos que outros fossem desonestos conosco?”.
Assim como Rubem Alves, Kant coloca o homem como referencial moral e ético, e não Deus. ("O pecado não faria sentido se não fossem os estados emocionais dolorosos”. Alves, Dogmatismo e tolerância).
Friedrich Nietzsche (1844-1900) se saiu com essa de que não há um mundo verdadeiro; tudo limita-se a uma “aparência de perspectiva” cuja origem está em nós mesmos. Com a “morte de Deus”, Nietzsche sustentou os valores humanos somente à medida que lhes damos valor. Do contrário, em si não há qualquer valor.
Davi errou ao olhar uma mulher na hora e lugar errados? Ele foi ético? Foi coerente com seus valores? Kant diria que se aceitarmos que outros façam o mesmo com nossa mulher, então Davi não errou. Rubem Alves diria que se ele não sentir-se "emocionalmente dolorido", não há terá cometido pecado. E Nietzche concluiria que se Davi desprezasse o conceito de adultério e homocídio, eles por si mesmos não fariam qualquer intervenção no ambiente moral ou ético.
Por isso, o mundo ficou chocado diante da explosão de duas grandes guerras. Quando se pensava que o mundo (leia o homem) era adulto, maduro e suficiente, uma matança cruel e devastadora solapou as esperanças e expectativas mais exaltadas. O tiro saiu pela culatra.
Por isso sustentamos que ainda é preciso olhar para Jesus, pois os nossos olhos são as janelas de entrada de informação que podem mover as nossas intervenções no nosso mundo e no mundo de outros. Jesus é o autor da fé e precisamos nutrir nossas vidas espirituais, promover a espiritualidade que tem sido reconsiderada até mesmo nas empresas e na academia. cada um de nós possui vida espiritual tal qual nosso próprio corpo físico.
Davi ainda relatou a patologia causada por seu pecado (Sl 32.3): “Enquanto eu mantinha encondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer” ou “envelheceram os meus ossos”. Muitas das doenças humanas modernas são a própria expressão do pecado cotidiano.
No entanto, Davi nos mostrou porque ficou conhecido como um homem "segundo o coração de Deus". Ele não ofereceu sacrifícios insignificantes ao Senhor, ele não promoveu qualquer ritual de "desencargo de consciência" para apaziguar a ira de um deus incontrolável. Davi quebrantou, castigou o seu coração e reconheceu os atributos do seu Senhor: Ele é criador. Versículo 10: “Cria em mim um coração puro”. Esta expressão "cria" tem conotação com algo novo, que não poderá emergir do que já existe; faz novamente pois o que existe precisa ser desconsiderado. Quem de nós quer abandonar a velha maneira de viver?
No mesmo Salmo 51.14b ele escreveu: “Minha língua aclamará... levantará altamente a tua justiça”. Isso é o louvor que ele dará ao Senhor, resultado de um encontro renovador com aquele que perdoa e apaga as nossas transgressões.
Essa é a expressão da riqueza da graça de Deus e do cristianismo: somos pecadores, mas conhecemos o Deus perdoador.

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