Recentemente, almoçando com um casal de amigos, ambos cristãos de uma denominação cuja liturgia e costumes são bem restritos, ela perguntou: ― Na sua igreja, a pessoa se converte quando levanta a mão e vai à frente? Respondi que sim. ― E ela é batizada quando? Respondi que de três em três meses organizamos batismo para os convertidos na sede e o das filiais; todos são batizados na mesma cerimônia. ― Mas se algum quiser ser batizado antes? Respondi que não será, já que sempre temos um número grande de candidatos, nunca menos que cem; abrir exceções não seria nada prático. ― Mas elas podem participar da santa ceia? Não ― respondi ― até que sejam batizados.
A pergunta/preocupação se deve pelo fato de, na igreja desse casal, eles crerem que o batismo é que salva juntamente com a fé; já em minha denominação, cremos que o batismo é simplesmente expressão pública da fé, mas não salva. É ordenado como a Santa Ceia o é, mas não tem qualquer efeito salvífico. E ela tentou “enquadrar-me” por conta disso, até que perguntei: ― Vocês celebram a ceia em todos os cultos? ― Não, respondeu, só aos domingos. ―Mas vocês só têm cultos aos domingos? ―Não, temos na quarta também, disse-me. ― Mas Paulo ordenou a que “todas as vezes que vos reunirdes” celebrarmos a ceia.
Bem, podemos parar a história por aqui, pois o leitor já pode perceber como agimos com relação a determinados pontos da “nossa doutrina”. Cobramos dos outros aquilo que convém ou aquilo que já somos craques e deixamos de lado aquilo que não podemos fazer por qualquer que seja o motivo.
Fato é que as nossas obras são como trapos ― cobrimos os ombros, descobrimos os pés. O mesmo Paulo já dizia que “aquele que pensa estar em pé, cuide para que não caia”. O melhor é não cobrar os outros, até porque é bem possível que nossa interpretação da verdade não seja a melhor interpretação. Podemos ter sido convencidos por tal maneira de interpretar uma questão, mas certamente não é a única maneira de lidar com ela.
Ênio Muller escreveu brilhantemente que a verdade não é algo do qual eu me aproprio, mas um caminho o qual eu percorro. Pense nisso. A cada trecho percorrido posso ver paisagens novas ou as mesmas paisagens de maneiras novas, mas mesmo assim estou no caminho, não saí dele, apenas avancei. E quando cobramos os outros para que vejam as coisas como nós as vemos, pode ser que ele esteja à frente de nós, então sabe que aquela visão vai passar em breve. Ou pode estar atrás de nós, e então será preciso esperar que avence para ver as coisas como nós as vemos. E mesmo assim, estando no mesmo ponto, olhe para outro lado e veja coisas que nós não vemos!
Só o Espírito pode fazer-nos avançar. Claro, ele usa palavras que dizemos, testemunhos que damos, orações que fazemos para que outros entrem no caminho, quem sabe no mesmo ponto em que estamos. Estes ficarão tão deslumbrados com a quantidade de novas percepções e visões que deixarão passar muitos e belos enquadramentos da paisagem. Aos poucos sentirão o mesmo que sentimos, começarão perceber como percebemos e verão como vemos. Mas somente o Espírito pode fazer isso.
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