Não pretendo aqui fazer uma análise exaustiva do que ouvi nos três dias de um congresso de teologia liberal, mas em linhas gerais o que ficou patente sobre essa abordagem como tem sido admitida no Brasil está exposta a seguir. Como minhas conclusões não esgotam o assunto, espero que haja uma reação por parte daqueles que pretenderem esclarecer algum ponto onde eu tenha me equivocado ou não muito objetivo. Em outras palavras, o texto está aberto.
1. Há uma clara demonstração de rancor contra o modo conservador de pensar a teologia, que no vocabulário liberal é tratado de maneira generalizada como "os fundamentalistas". Há duas maneiras de entender o que é um fundamentalista. No sentido mais amplo, fundamentalistas somos todos, já que qualquer cosmovisão ou ideologia deve ser "fundamentada" em algum ou alguns pressupostos. A segunda "definição" de fundamentalista é encontrada no início do Século 20 onde identificamos um grupo que patrocinou e publicou uma extensa obra chamada The Fundamentals-The famous sourcebook of foundational biblical truths, Os Fundamentos-A famosa coletânea de textos das verdades bíblicas fundamentais (R. A. Torrey, ed., publicado no Brasil por Hagnos, 2005) já naquela época uma reação frente ao emergente pensamento liberal alemão.
Em certo sentido, a teologia padrão no Brasil segue de perto, ao menos em muitos pontos, os fundamentos. Mas a generalização liberal tropeça feio quando coloca a todos os não liberais debaixo do rótulo fundamentalista. Primeiro, a meu ver, porque o sentido pejorativo do rótulo fundamentalista deve remeter a nós brasileiros à concepção que temos de grupos radicais extremistas, como homens-bomba, por exemplo. Quando ouço a expressão fundamentalista penso em alguém que não admite diálogo, não senta-se à mesa.
Neste sentido, os liberais do congresso em questão são fundamentalistas tanto quanto aqueles para os quais dirigem suas acusações, já que em dado momento do congresso alguém que pensava diferente foi vaiado ao manifestar brevemente suas posições teológicas.
2. O liberalismo cria uma nova religião análoga ao cristianismo ou à reboque do cristianismo. Os pressupostos para interpretar a cosmovisão cristã são as ciências, tais como antropologia, sociologia, lingüística e outras. No ambiente conservador a teologia se serve dessas ciências, mas não faz delas o árbitro na hermenêutica bíblica. Diferentemente, os liberais tupiniquins definem a cosmovisão bíblica a partir dessas ciências, numa clara tentativa de promover e manter o dialogo com a academia, como se necessário fosse igualar-se ou nivelar-se para fazer-se relevante. Penso que a relevância está, exatamente, em ser diferente, em promover valores desconhecidos aos demais grupos e mesmo em esclarecer por meio de um trabalho sólido de compreensão e exposição do texto bíblico.
Na esteira desse ponto, os liberais já têm sido acusados de não terem espaço fora do arraial cristão e por conta disso resta-lhes a única alternativa de ficarem arrastando correntes nos seminários, congressos e em algumas igrejas à procura de incautos aos quais impressionar.
3. Os liberais fazem declarações parciais e superficiais sobre temas complexos e importantes. A fim de defender a inclusão e a tolerância, promovem um discurso unilateral que desconsidera aspectos relevantes a pontos primários do cristianismo. A inclusão de diferentes, como homossexuais, por exemplo, é defendida sem que haja qualquer esboço da necessidade de arrependimento ou predisposição de mudança, o que em toda a história do cristianismo, mesmo e principalmente nos dias de Jesus, isso seria impensável. A tolerância não fala mais alto que o amor, uma vez que a convivência com o diferente pode se dar sem danos para a consciência cristã, mas a acomodação de quem quer que seja ao seio da Igreja, ainda que possível ser feita sem uma mudança interior radical fruto de uma graça assombrosa, não possui qualquer efeito real e legítimo diante daquele que fundou e sustenta a Igreja. A Igreja não faria qualquer sentido se deixasse de promover exatamente o que os liberais abrem mão, ou seja, a metanóia, a mudança no mod de ser, de agir e de pensar.
4. O discurso feminista no congresso ataca frontalmente as bases bíblicas como tem sido defendida há dois mil anos, fazendo da cultura judaica primitiva e machista a grande vilã. Mais uma vez, em favor dos pressupostos seculares da sociologia (e da criminalística!) declaram “ser oito ou oitenta”. Se maridos agridem, então não há que ficar com eles. Liberdade já! O corpo é nosso! Não ouvi uma tentativa de considerar nem o texto bíblico nem a experiência e as historias de casais que mesmo diante de adversidades, foram tratados e reconciliados até que o amadurecimento e a solidez de um relacionamento maduro tivesse oportunidade para mostrar-se. Como em outros pontos, é dado o devido destaque "ao que interessa", esquecendo-se, por exemplo, do resultado da libertação feminista há trinta, quarenta anos nos EUA. Os filhos das feministas da época, hoje procuram e promovem as famílias nos moldes tradicionais; eles aprenderam na carne o que é a desintegração do núcleo familiar. Esquecem-se, igualmente, que ao gritarem hoje "o corpo é nosso", certamente amanhã estarão defendendo o aborto em defesa do mesmo corpo.
5. O discurso liberal que ouvi durante o congresso dilui a salvação entre todas as filosofias quando diz ser possível haver salvação fora da Igreja de Cristo, ou seja, em determinadas culturas (talvez em todas elas), ainda naquelas cujas práticas negam o conteúdo da Bíblia, o indivíduo pode ser salvo. É um panteísmo potencial velado, o que escancara as portas para o universalismo e faz o Caminho desnecessário, já que afirma que podemos chegar ao mesmo lugar por meio de becos, vielas e atalhos.
Que fique claro, essa minha percepção pode ser infundada se considerarmos o coração de cada um dos participantes; só o Senhor sabe o que vai dentro de cada um de nós.
No entanto, aprendi algumas coisas com o que vi e ouvi no congresso. Aprendi que devo ser mais tolerante com aqueles que são ou que pensam diferente de mim. Se os liberais discursam sobre tolerância, mas não a demonstram na prática, é bastante provável que eu também esteja sendo intolerante com aqueles que pensam diferente de mim. Preciso aprender com as diferenças sem, no entanto, negar o contato ou o convívio com ela. Jesus fez isso maestralmente.
Reconheço que há aspectos positivos na pesquisa acadêmica, cuja contribuição pode ser útil e lançar luz na maneira como aproxima o texto bíblico de uma compreensão mais contextualizada, mais próxima da realidade cotidiana. Com isso aprendo que não preciso definir-me com rótulos e ismos. Não combina com o espírito cristão esse esfacelamento ou melhor, esquartejamento do Corpo de Cristo. Não refiro-me aos liberais especificamente, mas a todos os outros grupos e mesmo dentro deles próprios. Não é demérito dialogar com quem pensa diferente, nem mesmo procurar um equilíbrio saudável e questões que aproximam, do mesmo modo como a interação não significa abrir mão das convicções existentes e defendidas. Mas isso é assunto para outro post.
Magno,
ResponderExcluirAcho que polarizar o problema, com a definição de Fundamentalistas e Liberais, não ajudou muito.
Em minha opinião, você não é um fundamentalista, no sentido pejorativo da palavra, e nem o pessoal do Theologando são liberais, no sentido teológico da palavra.
Gostaria de saber sua impressões sobre os temas abordados, se foram relevantes e se algum consenso foi alcançado no congresso.
Abraços,
Roberto.
Roberto, perdoe a demora para responder. Os temas foram relevantes, mas como "não" haver consenso se todos estavam do mesmo lado? não houve reações feitas com quem pensa diferente. o rapaz que se declarou fundamentalista foi vaiado!!!
ResponderExcluirMas mais que polarizar o tema, como você diz que eu fiz, pretendi esclarecer o que crêem, ou talvez no que não crêem.