Após ter escrito o primeiro artigo sobre a dúvida (Tenho dúvidas, graças a Deus) e destacado o seu lado positivo, senti-me incomodado com a interpretação que alguns leitores poderiam ter pelo fato de eu ter descrito a dúvida como algo bom e até mesmo uma possível ferramenta ou estratégia de Deus para aproximar de si algumas pessoas. Vou escrever mais sobre isso.
Neste texto, vou falar apenas e tão somente do modo como entendo a dúvida sendo um elemento contrário à fé, negativo, pernicioso e indesejável. É o contraponto ao primeiro artigo. Sei que historicamente a Igreja ― e porque não dizer todas as religiões ― lidou com a dúvida retratando-a como um estado ou sentimento que o crente deve repudiar, independente de sua profissão de fé neste ou naquele credo. A dúvida é radicalmente antagônica, contrária à fé e, portanto, ter dúvida equivale a ser um religioso de segunda categoria. Não é bem assim ― olha eu defendendo a dúvida novamente.
Como pude demonstrar no artigo anterior, a dúvida que deve ser rejeitada é aquela que me faz questionar a existência de Deus ou sua bondade, ou mesmo alguns de seus atributos. O aspecto negativo da dúvida é aquele que coloca o crente diante do seu Deus e o leva à fazer a pergunta ― Onde está o Senhor? Ou ― O Senhor se lembrará de mim? É o questionamento dos inimigos do salmista angustiado no Salmo 42.10: “Até os meus ossos sofrem agonia mortal quando os meus adversários zombam de mim, perguntando-me o tempo todo: "Onde está o seu Deus?”. Ou no mesmo salmo, v.3, quando o salmista está diante de grande sofrimento e é questionado sobre o socorro vindo de Deus: “Minhas lágrimas têm sido o meu alimento de dia e de noite, pois me perguntam o tempo todo: "Onde está o seu Deus?”.
O aspecto negativo da dúvida é, portanto, aquele que corrói e dissolve a segurança que temos na salvação de Deus e em seu socorro. Deus não se esquece de seus filhos, ainda que a própria mãe se esqueça de um deles (Is 49.15). É esta presença “emanuelica” que não pode ser questionada; sobre isto não pode haver qualquer dúvida, pois é contra este tipo de dúvida que a fé guerreia, a dúvida que afasta o homem do Deus o qual procura e depende, a dúvida que ergue uma barreira que impede a contemplação de Deus vindo em nosso auxílio.
As nossas ações de fé ― que não devem ser confundidas com insanidades de fé ― quando afetadas pela dúvida, são condenadas. Esse o motivo pelo qual Pedro foi repreendido pelo Senhor após ter caminhado um tanto sobre as águas; Pedro abriu mão da fé segura e permitiu a dúvida ocupar um espaço eu antes pertencia à fé (Mt 14.31). Por outro lado, as dúvidas que nos movem à procura por Deus, que sejam bem-vindas. Como no caso do eunuco da rainha Candace, que tateando procurava iluminação recebeu a resposta que apontou-lhe o Messias (At 8) aprovando e confirmando a fé salvadora.
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