A história da Igreja descreve algumas questões que, vez ou outra, retornam a pauta do dia, revelando que alguns pontos não são facilmente equacionados em relação a outros. Que Cristo é o único caminho para o Pai é ponto passivo, não se discute mais. Mas e a questão trazida pelo Rev. Julio Zabatiero em Evangelho e Cultura, da relação entre evangelho, cultura e contextualização tem surpreendido alguns cristãos ao longo dos séculos, notadamente aqueles envolvidos com a pregação do evangelho e com as missões.
O autor parte das definições de cultura e evangelho, pontuando cada uma delas de maneira clara e universalmente aceitas (embora não exclusivas), e indicando que nosso interesse, como fazedores de teologia, é “posicionar-se a respeito das relações entre Evangelho e Cultura” como tarefa fundamental. Mesmo tendo conceituado cada elemento da discussão, vemos, ainda, uma advertência de que “o Evangelho não é uma cultura, mas um conjunto de formas simbólicas originalmente construído através de um processo histórico em que Deus se revela à humanidade, no âmbito da sociedade e cultura judaicas”.
O destaque dado ao fato da existência de uma revelação de Deus à humanidade é notável, já que indica que, como revelação, (a) poderia ter sido manifestada a qualquer outra cultura ou sociedade e (b) não é – como de fato está explícito – uma cultura, como fruto da elaboração ou como produto essencialmente humano. Assim, “o Evangelho pode se encarnar em cada cultura na qual é anunciado, de modo que sua transcendência permaneça juntamente com a sua imersão nessa cultura específica” (grifo acrescentado).
O terceiro ponto, após trabalhar os conceitos de Evangelho e de cultura, é a questão da forma ou do modo como se dá a contextualização. E introduz o tema ou a discussão já antecipando que, “na medida em que a Palavra de Deus se encarna na igreja, o evangelho toma forma na cultura”, ou seja, a manutenção da genuinidade do evangelho (em oposição a uma pregação dogmática) promove a imediata ambientação da igreja à cultura na qual está inserida e a transformação da própria cultura – o que é, em última análise, uma resposta positiva a uma das funções do evangelho, que é a transformação do indivíduo. Esta é a avaliação de Mendonça e Velasques, sobre o fator que norteava as missões da corrente calvinista.
A outra corrente, de natureza “avivalista”, lidava com a conversão individual, “pela experiência pessoal e emotiva”. Nesta, notava-se a ruptura com o ambiente do indivíduo agora convertido, mas as mudanças eram notáveis “através da adoção de novos padrões de conduta”.
Concluindo, ambos os modelos frutificaram na cultura brasileira. E o mesmo, com pequenas ressalvas, poderia ser dito da inserção do Evangelho em outras culturas. William Carey (1762-1834), em missão pela Índia, decidiu que não pregaria contra o islamismo, mas que aproximaria dos indianos por meio do evangelho, mas isso decidiu apenas após anos sem colher um só fruto de seu trabalho no campo missionário.
Dessa forma, entendo ser necessária a contextualização, protegendo os princípios inegociáveis e negociando os parâmetros permitidos pelas Escrituras. O caminho deve permanecer sendo o mesmo anunciado pelo Senhor. Mas o modo como vamos andar por este caminho é determinado, ao que parece, pela topografia de cada cultura.
Citando Enio Müller, “a verdade não é um objeto do qual eu me aproprio, mas um caminho no qual eu ando”. E se ando por um caminho, é natural ver paisagens distintas a cada espaço percorrido.
Diante do protestantismo de missão em terras brasileiras, os brasileiros, muitos deles, não aceitaram a pregação norte-americana – e este é o questionamento que me ocorre diante do texto proposto. Mas será que foram os missionários dos EUA que abriram a porta para a importação da cultura daquele país? Sim, porque até então os padrões sociais eram determinados pelas matrizes católicas européias/portuguesas. Se foram esses missionários os responsáveis pela vinda dos hábitos e costumes norte-americanos e os brasileiros não aceitaram a fé que anunciavam, mas apenas a cultura – e esta de natureza questionável nas últimas décadas – são eles, em última análise, que podem ser responsabilizados pela atual situação na qual o brasileiro recebe como “sagrado” tudo o que desce ao hemisfério sul. Isto é apenas uma reflexão.
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