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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Aversão ao Templo

A atual aversão ao cristianismo institucionalizado tem raízes mais profundas. Remonta ao seu próprio nascimento, quando alguns judeus e muitos helenistas não sentiam prazer nos cultos “oficiais”. Os helenistas, por serem considerados “mestiços” ou mesmo impuros. Alguns judeus, por preferirem uma vida espiritual mais vibrante que a promovida e mantida por sacerdotes de conduta suspeita.

O livro de Atos dá indicação de ter sido esses helenistas que levaram o evangelho de Jerusalém para Samaria após a perseguição contra os doze, já que estes não saíram de Jerusalém. Mas os helenistas (gr. hellenistai), sim. Hellenistai deriva do verbo hellenizein que não significa “falar grego”, mas viver à maneira grega. Poderia tratar-se de judeus ou descendentes desses que viviam de maneira grega, judeus com tendências mais místicas, com tendências sincréticas. Isso explica o repúdio por parte dos que se consideravam mais santos e justos.

Os helenistas recusam o culto no templo e pregam contra ele assim como os essênios, razão pela qual foram expulsos de Jerusalém. Em João 4.38, Jesus declara que os “outros” (gr. alloi) inauguram a missão em Samaria e então os apóstolos “entram” em seu trabalho. Definitivamente não foram os apóstolos nem os discípulos originais que levaram o evangelho até aquela região.

Oscar Cullmann admite que o quarto evangelho tem um laço de afinidade com os helenistas e com a seita de Qunram. Os três, o quarto evangelho, os essênios e os helenistas, têm em comum a aversão ao templo. Neste sentido, a metáfora de Paulo para a Igreja, o corpo como templo, e a missão paulina aos gentios alinham-se a esse discurso e até mesmo prepara a sua defesa.

João, por sua vez, situa a purificação do templo no início do seu evangelho, diferente dos sinóticos ― o templo está no foco. É nesse evangelho, no início também, que Jesus afirma a uma samaritana que nem em Samaria nem no templo em Jerusalém é o lugar onde o Pai seria adorado. Nada mais adequado.

Lucas, em Atos 6, justamente quando fala dos helenistas, afirma que numerosos “sacerdotes” se têm unido à Igreja (v. 7). Com efeito, muitos membros da seita de Qunram eram sacerdotes. Excelente maneira de “esvaziar” o templo dos seus oficiais levando-os para “o novo templo’, que é a Igreja nascente.

Os helenistas, portanto, eram aqueles que não faziam parte do judaísmo oficial, nem mesmo da comunidade de Israel. Não existia outro nome para designá-los. Do mesmo modo, parte do cristianismo oficial chama “sincretistas” (ou mesmo liberais, dependendo do caso) àqueles que não concordam com os posicionamentos e agendas da liderança estabelecida... isso quando não os chama de hereges mesmo!

“Os helenistas eram a parte mais viva e mais interessante da igreja primitiva”. (Cullmann)

Paulo, como lhe convém, constrói a sua teologia a partir de Cristo na cruz (1Co 1.23; 2.2). E ele mesmo afirma em 1Co 1.23 que até para os judeus a mensagem de Cristo na cruz é escandalosa, contra cultural. Mas, “para os que foram chamados é o poder de Deus” (v. 24). Nada de Templo; o assunto é a cruz.

A função básica da mensagem não é adequar-se à cultura: nem Jerusalém, nem Samaria. Também não deve adequar-se aos chamados em cada cultura. A mensagem é o poder de Deus e a sabedora de Deus, ou seja, aquilo que cada cultura necessita. Portanto, está implícita a sugestão de que a mensagem tem o poder de modificar cada cultura. E como a cultura é dinâmica, está sempre sendo alterada, justifica-se o lema da Reforma “Igreja reformada sempre reformando” (lat. Ecclesia reformata et semper reformanda est) No v. 24 o apóstolo indica que Deus faz sentido para todas as culturas em todos os tempos.

Cullmann sustenta, ainda, que o evangelho de João tenha uma relação ou elementos que o liguem a um tipo de judaísmo tanto mais “esotérico”, no sentido de marginal ao judaísmo oficial do final do primeiro século, já existente na Palestina. Este judaísmo específico teria sido a manjedoura do cristianismo. Estevão, helenista, deve ter tido alguma ligação com este grupo. Foi ele quem citou Isaias 66.1: “O céu é o meu trono, e a terra, estrado dos meus pés. Que espécie de casa vocês me edificarão?” Vejam só o desprezo pelo Templo em preferência a uma religião mais aberta a novas possibilidades. Seria já o efeito da graça?

Para concluir, João parece “opor-se” a Mateus 10.5 (“Não entrem em cidade samaritana”), quando em seu quarto evangelho faz questão de mostrar que Jesus queria sim a missão em Samaria. Já no quarto capítulo narra Jesus opondo-se ao modelo religioso oficial de Jerusalém com o seu Templo. Se podemos aprender algo com esse discurso, não percamos tempo.

A partir da ressurreição de Jesus, a shekinah, a glória de Deus no Templo, se desliga deste e se une ao Logos feito carne. Cristo substitui o templo! Antes de sua morte, a presença divina se manifestava na encarnação; após ela, nos sacramentos, celebrado por todos os cristãos, judeus e pagãos, que em todos os lugares formam a Igreja. Definitivamente Deus não está num templo feito por mãos de homens.

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