Este espaço foi criado para discutir diferentes assuntos a partir da cosmovisão cristã. O que pretendo é o debate de ideias e o aprofundamento nas questões que interessam a Igreja de modo geral.
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terça-feira, 8 de junho de 2010
É preciso evangelizar a Igreja
A cena descrita a seguir foi presenciada por mim. Participava de um culto quando, durante a mensagem o pregador, com a toda a “coreografia pentecostal” que lhe era peculiar, disse: “Hoje eu vou ensinar como fazer para tirar os tesouros do céu e desfrutar aqui na terra.” Foi efusivamente aplaudido.
Existe afirmação mais antibíblica do que esta? Sendo ela antibíblica – e é –é também uma declaração anticristã. Se for anticristã, por que o pregador foi aplaudido, estando numa igreja (cristã!)? A resposta é simples: a igreja não conhece o texto bíblico, não sabe o que diz a Bíblia, é ignorante sobre aquilo que – de fato – Jesus e os apóstolos ensinaram. A igreja evangélica de hoje é ignorante, do ponto de vista do conhecimento bíblico. Como disse Antonio Vieira há 400 anos, “conhece palavras sobre Deus, mas não conhece a palavra de Deus.”
Uma das afirmações feitas por Jesus, afirmação das mais conhecidas pelos cristãos (em outros tempos, é verdade) é: “Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam.” (Mt 6.19,20, NVI)
A proposta do pregador em questão apontava a contramão do ensino de Jesus. Naquela noite o pregador ensinou o contrário do que Jesus ensinou e que seus apóstolos e discípulos veem ensinando há dois mil anos!
Por que um pregador assim deve ser aplaudido? Quem o tem aplaudido ainda hoje? Onde ele tem sido aplaudido?
É possível enumerar dezenas de falsos ensinos como esse. Eles são ouvidos todos os dias nas igrejas. São sementes lançadas aos montes e vão frutificar aquilo que Jesus irá lançar no fogo para ser queimado, porque se parece genuíno, mas não é: parece trigo, mas é joio e por isso, para nada serve.
Alguém tem responsabilidade por isso? A quem deveríamos reclamar essa ignorância que assola a igreja? Se muitos pregadores não entregam mensagens de acordo com as Escrituras... se os ouvintes não sabem o que a Escritura diz e, portanto, não podem defender-se dos falsos ensinos, a quem recorrer? A quem reclamar? Não há um balcão onde alguém anote reclamações; a igreja não tem 0800 nem SAC. Mas deveria ter, porque hoje a igreja tornou-se uma instituição que negocia bens de consumo e não mais bens eternos.
A meu ver, há uma responsabilidade mútua da liderança e dos ouvintes. E é um caso cíclico: ouvintes querem mensagens que afagam o ego e prometem coisas boas com o mínimo esforço e, por sua vez, pregadores que precisam sobreviver “da fé” pregam as mensagens que esses vasos vazios querem ouvir, pois do contrário não terão vida (ou arrecadação) longa. A bem da verdade, não a terão nem mesmo pregando essas mentiras, pois o passar do tempo já tem denunciado que promessas antibíblicas não se cumprem e os mais “espertos” têm saído de fininho.*
As pessoas que vão às igrejas não sabem o que a Bíblia ensina. Recentemente, pregando em uma igreja tradicional na região do ABC paulista, liderada por um figurão do meio cristão, pedi para que levantasse a mão quem sabia o que é a doutrina da justificação. Não sei quem ficou mais envergonhado: eu ou aqueles míseros 10% que levantaram a mão. A doutrina da justificação ocupa espaço central no ensino de Paulo e é, igualmente, o eixo em torno do qual a Reforma Protestante do Século 16 moveu-se. Como não conhecer esse ensino? Como dizer-se membro da Igreja sem saber dos seus fundamentos, das suas bases, das suas diretrizes? A pessoa está na igreja pensando ter sido salva do quê? Do atropelamento? Da falência? Da separação conjugal? O que ela imagina ser a igreja? Uma Amway para crentes? Uma Omni cristã? um Rotary gospel? onde as pessoas vão para se darem bem na vida ou para sentirem-se socialmente inseridas e úteis?
Finalmente, devo dizer que nem tudo está perdido: de Deus não se zomba. Vejo em diversos lugares, movimentos e cristãos individualmente gritando contra o desvio do que a Escritura ensina como adequado ao cristão, gritando e apontando a escassez de profundidade bíblica e espiritual, contra a amoralidade no trato da igreja e do ministério e tantas outras questões que encheriam esse blog. Também há, é verdade, ouvintes ávidos pela pregação que exale o aroma de Cristo, que faça promessas com fundamento na obra da cruz e na ressurreição do Salvador, pregação que lave as vestes e cure as fissuras que a alma pós-moderna tem apresentado: solidão, individualismo, isolamento digital, relativismo moral, banalização da vida humana, descaso com o altar. Essa é também uma longa lista.
Somente a pregação do Evangelho pode promover qualquer alteração neste cenário, e a pregação deve começar na igreja. A igreja precisa de salvação. É preciso evangelizar a Igreja.
*Para constatar essa situação, sugiro a leitura de Decepcionados com a Graça, de Paulo Romeiro (Ed. Mundo Cristão). É atual e implacável.
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