Moro em São Paulo há mais de quarenta anos. A recente onda de violência na cidade de São Paulo, na Grande São Paulo e nas demais grandes cidades do país não é recente. É bom que fique claro, desde o início, que todos os dias, há décadas, morrem pessoas na cidade. Houve tempos nos quais foram registrados picos de violência. Há pouco tempo a cidade vizinha Diadema ficou conhecida como uma das cidades mais violentas do mundo. Após pressão (internacional, inclusive), o poder público interveio e hoje o quadro naquela cidade é bastante diferente.
Fora o registro histórico, há outro dado lamentável: a pressão e o aproveitamento político da situação. Esse é pior, porque não importam as vítimas civis e as baixas nos quadros da polícia (até hoje 92 policiais mortos em 2012): importa manchar a imagem do atual Governante, do atual Prefeito, dos atuais gestores. O interesse político, somado ao papel da imprensa (de serviço ou desserviço público), manipulam uma população desinformada e com baixíssimo (senão inexistente) senso crítico para avaliar dados e informações.
Mas neste breve artigo vou destacar outro agente, ou ausência dele, na atual situação. Falo de Deus. Antes, no entanto, quero voltar vinte e poucos anos no tempo, quando eu ainda era um dependente químico, usuário de drogas na cidade. Dos quinze aos vinte e quatro anos de idade (antes de tornar-me cristão em 1991) usei drogas, leves e pesadas, em casa de conhecidos e em público. Quando fazia em público, éramos eventualmente surpreendidos quando uma viatura fazia as regulares rondas. Ao vermos uma viatura, jogávamos bem longe o que tivesse à mão, temendo o que a polícia faria, pois seguramente ela faria algo com bastante rigor.
Recordo que algumas vezes saíamos de carro, e ficávamos circulando pela Marginal do Tietê de ponta a ponta, indo e voltando, fazendo uso de drogas, por falta de um lugar para ficar. A intenção era despistar a polícia. Mas se houvesse uma blitz (ou comando, como chamamos hoje), era um pânico só!
Bem diferente a situação de hoje. Usuários e bandidos hoje recebem a polícia à bala. Respondem grosseiramente quando são abordados, dão socos, são violentos. Quanta diferença!
Se você perguntar a que atribuo isso, tenho uma resposta na ponta da língua: faltou aos pais de hoje ensinar aos seus filhos, ontem, sobre Deus, em casa. Eu aprendi, desde os primeiros anos, a existência de uma hierarquia, imaginaria mas que funcionava: Deus, meus pais, os professores, meus amigos e eu. E hoje? Os amigos até importam, mas os professores têm sido agredidos nas escolas (particulares, inclusive). Os pais são ausentes, isso quando conseguem permanecer casados. E Deus? Deus não está na contabilidade da família de hoje e, portanto, não pode estar presente nem ser responsabilizado pela violência nossa de cada dia.
Eu vivi o dia a dia de violência na cidade de São Paulo, nas madrugadas, nas ruas, e a violência que vivi cessou ao encontrar-me com Jesus. E as pessoas de hoje? Deus não faz parte da rotina delas, em parte por negligência dos próprios cristãos. Deus não faz parte dos planos dos casais, nem da educação dos filhos, nem do cotidiano de grande parte da população. Foi isso o que a mentalidade desde o Iluminismo fez: pôs Deus para fora. O resultado foi esse que descrevi acima.
O que não foi percebido é que Deus permaneceu no seu lugar, onde sempre esteve. O homem fechou a porta, mas quem ficou para fora foi ele próprio. Para resolver o problema da "nossa violência", esse homem deverá bater à porta de Deus, voltar-se para ele e refazer a velha estrutura que estava funcionando bem, obrigado. E a ordem a ser restabelecida é: Deus, nossos pais, nossos mestres e nós... se sobrar alguém.
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Este espaço foi criado para discutir diferentes assuntos a partir da cosmovisão cristã. O que pretendo é o debate de ideias e o aprofundamento nas questões que interessam a Igreja de modo geral.
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quinta-feira, 22 de novembro de 2012
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Reconciliação: uma mensagem para hoje
Fundada por por Selêuco c. 300aC, Antioquia tornou-se a terceira maior cidade do Império Romano. Antioquia foi importante ponto e rota comercial e tornou-se um influente centro do pensamento teológico, tendo nomes como Inácio e João Crisóstomo como bispos.
Havia ali farta diversidade no campo do pensamento. Dentro os habitantes, contava-se mais judeus em Antioquia do que em toda Jerusalém. O judaísmo predominante na igreja em Jerusalém impedia o amplo florescimento do cristianismo; mas em Antioquia havia sinagogas nas quais foi possível estabelecer vínculos com a nova religião. Soma-se o helenismo e cultura grega naturais na cidade de Antioquia, o culto ao Imperador, os elementos do gnosticismo, religiões asiáticas, chalatanismo babilônico e o templo de Apolo: o desafio não era pequeno.
Curiosamente foi em Antioquia onde os discípulos de Jesus foram, “pela primeira vez, chamados cristãos” (At 11.26). E um dos segredos que vejo para que isso acontecesse reside na mensagem de reconciliação ensinada por Paulo.
Revertendo o que Noé predisse milhares de anos antes, o Espírito Santo estava reconciliando consigo o mundo, etnias e classes sociais antes separadas. Vemos a conversão do cananita etíope (At 8); do semita Saul (At 9) e do jafetita Cornélio (At 10). Em seguida, em Atos 11, não mais um indivíduo, mas uma igreja entende o sentido plural de sua missão.
Paulo fala de reconciliação em quatro textos ao longo de sua obra: em Romanos 11 (sobre Israel), em 2Corintios, Efésios e Colossenses.
A raiz grega da palavra reconciliar (apokatalassō) indica restauração, restabelecimento e cura. De fato as pessoas e a sociedade estão doentes. Quando um filho grita e estapeia sua mãe, quando um adolescente recebe a polícia à bala, quando um político eleito pelo povo desvia dinheiro que deveria ser usados na melhoria de vida de milhões de pessoas, estamos vendo o resultado da doença chamada pecado. Não gostamos mais dessa palavra; é obsoleta. Mas não há com ignorar seus efeitos diários em nossas vidas. Tapar o sol com peneira em nada ajuda.
A cura do homem é o que precisamos observar na expressão da nossa mensagem e missão diárias. A igreja deve curar as pessoas, não adulá-las. As pessoas estão separadas de Deus e para reconciliá-las, precisamos aplicar a Palavra que corta e opera, não uma filosofia ou promessa que ilude e mata.
Portanto, a mensagem da Igreja não deve ir ao mesmo sentido dos acontecimentos do seu tempo. Num ambiente que se separa de Deus matando o Salvador do homem, a igreja em Antioquia promovia a reconciliação pelo Evangelho, na prática missionária local e estrangeira. A igreja não pode ser uma alternativa cultural, ela deve ser a melhor – senão a única – opção espiritual: a única que reconcilia o homem com Deus.
Havia ali farta diversidade no campo do pensamento. Dentro os habitantes, contava-se mais judeus em Antioquia do que em toda Jerusalém. O judaísmo predominante na igreja em Jerusalém impedia o amplo florescimento do cristianismo; mas em Antioquia havia sinagogas nas quais foi possível estabelecer vínculos com a nova religião. Soma-se o helenismo e cultura grega naturais na cidade de Antioquia, o culto ao Imperador, os elementos do gnosticismo, religiões asiáticas, chalatanismo babilônico e o templo de Apolo: o desafio não era pequeno.
Curiosamente foi em Antioquia onde os discípulos de Jesus foram, “pela primeira vez, chamados cristãos” (At 11.26). E um dos segredos que vejo para que isso acontecesse reside na mensagem de reconciliação ensinada por Paulo.
Revertendo o que Noé predisse milhares de anos antes, o Espírito Santo estava reconciliando consigo o mundo, etnias e classes sociais antes separadas. Vemos a conversão do cananita etíope (At 8); do semita Saul (At 9) e do jafetita Cornélio (At 10). Em seguida, em Atos 11, não mais um indivíduo, mas uma igreja entende o sentido plural de sua missão.
Paulo fala de reconciliação em quatro textos ao longo de sua obra: em Romanos 11 (sobre Israel), em 2Corintios, Efésios e Colossenses.
Rm 11.15: “Pois se a rejeição deles é a reconciliação do mundo...”.
2Co 5.18-20: “Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem [ou palavra] da reconciliação. Portanto, somos embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio. Por amor a Cristo lhes suplicamos: Reconciliem-se com Deus.”
Ef 2.15,16: “[...] na sua carne desfez a inimizade [...] para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela [a cruz] as inimizades.
Cl 1.19,20: “Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse, E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.”
A raiz grega da palavra reconciliar (apokatalassō) indica restauração, restabelecimento e cura. De fato as pessoas e a sociedade estão doentes. Quando um filho grita e estapeia sua mãe, quando um adolescente recebe a polícia à bala, quando um político eleito pelo povo desvia dinheiro que deveria ser usados na melhoria de vida de milhões de pessoas, estamos vendo o resultado da doença chamada pecado. Não gostamos mais dessa palavra; é obsoleta. Mas não há com ignorar seus efeitos diários em nossas vidas. Tapar o sol com peneira em nada ajuda.
A cura do homem é o que precisamos observar na expressão da nossa mensagem e missão diárias. A igreja deve curar as pessoas, não adulá-las. As pessoas estão separadas de Deus e para reconciliá-las, precisamos aplicar a Palavra que corta e opera, não uma filosofia ou promessa que ilude e mata.
Portanto, a mensagem da Igreja não deve ir ao mesmo sentido dos acontecimentos do seu tempo. Num ambiente que se separa de Deus matando o Salvador do homem, a igreja em Antioquia promovia a reconciliação pelo Evangelho, na prática missionária local e estrangeira. A igreja não pode ser uma alternativa cultural, ela deve ser a melhor – senão a única – opção espiritual: a única que reconcilia o homem com Deus.
“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. (2Co 5.17)Siga-me no Twitter: @magnopaganelli
Rhema: poder adicional?
Desde que foi publicado no Brasil o livro de Paul Yonggi Cho “A Quarta Dimensão”, em 1981, uma safra de livros, artigos, pregações, editoras, ministérios e muito mais tem surgido utilizando a palavra rhema. Com isso, praticamente uma “lenda gospel” se sedimentou em torno da suposta eficácia dessa palavra rhema.
Na página 43 ele diz que “Romanos 10.17 mostra-nos que o material usado para edificar a fé é mais do que simples leitura de Deus: “a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo”. Nesta passagem “palavra” não é logos, mas rhema. A fé, especificamente falando, vem pela pregação da palavra rhema.”
Jesus, chamado o Verbo de Deus (do grego Logos tou Theou) concordaria com essa declaração do autor? Vejamos.
Nos evangelhos, a palavra rhema aparece em
Em língua portuguesa temos alguns léxicos, que são obras que trazem o significado das palavras conforme usados em seu contexto original. No caso, como eram usadas pelos autores que escreveram o Novo Testamento. No léxico de GINGRICH e DANKER1 lemos que rhema significa “aquilo que é dito, palavra, dito, expressão”. Esses foram os significados reais conforme usados originalmente. Os autores do Novo Testamento tinham essa compreensão a respeito da palavra rhema. Nada de especial ou excepcional com a palavra. Não se espera, em função disso, um detrimento da outra palavra grega, logos.
Portanto, não se pode imaginar a existência de algum poder sobrenatural que envolva determinadas expressões, ou esperar que a ocorrência de um milagre ou o rompimento de algum obstáculo espiritual ou natural ocorra simplesmente porque Deus deu a alguém “alguma palavra rhema” com esta finalidade.
A Palavra rhema é um dito como outro qualquer, como lemos no léxico e confirmamos nos evangelhos. Se há algo extraordinário acontecendo em nosso meio (e sabemos que há), isso se dá por soberania de Deus. Todos devemos saber isso, mesmo aqueles que não leem o grego. Para isto, se o leitor se der o trabalho de ao menos iniciar a leitura do Evangelho de João, verá que há uma expressão diferente usada pelo apóstolo para descrever a Jesus: Logos. Jesus é o Logos de Deus, a Palavra de Deus.
Ora, se o próprio Jesus inspirou ao apóstolo a descrevê-lo usando logos, por que deveríamos esperar que Jesus decidisse por um termo grego de menos importância ou eficácia? Se rhema fosse, assim, uma palavra tão poderosa como se pretende, acredito que João teria escrito:
Veja se na sua Bíblia diz isso.
1 GINGRICH, F. Wilbur e DANKER, Frederick W. Léxico do N.T. Grego/Português. São Paulo: Edições Vida Nova, 1984.
Na página 43 ele diz que “Romanos 10.17 mostra-nos que o material usado para edificar a fé é mais do que simples leitura de Deus: “a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo”. Nesta passagem “palavra” não é logos, mas rhema. A fé, especificamente falando, vem pela pregação da palavra rhema.”
Jesus, chamado o Verbo de Deus (do grego Logos tou Theou) concordaria com essa declaração do autor? Vejamos.
Nos evangelhos, a palavra rhema aparece em
Mateus
12.36: “Mas eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado.”Marcos 9.32: “Mas eles não entendiam o que ele queria dizer e tinham receio de perguntar-lhe.”Lucas 2.17 (rématos): “Depois de o verem, contaram a todos o que lhes fora dito a respeito daquele menino.”Lucas 2.50 (rēma): “Mas eles não compreenderam o que lhes dizia.”João 5.47 (rémasin): “Visto, porém, que não creem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?” e
João 6.68 (rémata dzoēs aiōníōn): “Simão Pedro lhe respondeu: ‘Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna’.” Aqui com o significado de palavras de vida eterna.Note, em cada um dos versículos, que nada há de tão especial nessas passagens. A palavra rhema é usada em seu modo primário e nas variações gramaticais sem que qualquer indício de ação ou mesmo “geração de fé” ocorra.
Em língua portuguesa temos alguns léxicos, que são obras que trazem o significado das palavras conforme usados em seu contexto original. No caso, como eram usadas pelos autores que escreveram o Novo Testamento. No léxico de GINGRICH e DANKER1 lemos que rhema significa “aquilo que é dito, palavra, dito, expressão”. Esses foram os significados reais conforme usados originalmente. Os autores do Novo Testamento tinham essa compreensão a respeito da palavra rhema. Nada de especial ou excepcional com a palavra. Não se espera, em função disso, um detrimento da outra palavra grega, logos.
Portanto, não se pode imaginar a existência de algum poder sobrenatural que envolva determinadas expressões, ou esperar que a ocorrência de um milagre ou o rompimento de algum obstáculo espiritual ou natural ocorra simplesmente porque Deus deu a alguém “alguma palavra rhema” com esta finalidade.
A Palavra rhema é um dito como outro qualquer, como lemos no léxico e confirmamos nos evangelhos. Se há algo extraordinário acontecendo em nosso meio (e sabemos que há), isso se dá por soberania de Deus. Todos devemos saber isso, mesmo aqueles que não leem o grego. Para isto, se o leitor se der o trabalho de ao menos iniciar a leitura do Evangelho de João, verá que há uma expressão diferente usada pelo apóstolo para descrever a Jesus: Logos. Jesus é o Logos de Deus, a Palavra de Deus.
Ora, se o próprio Jesus inspirou ao apóstolo a descrevê-lo usando logos, por que deveríamos esperar que Jesus decidisse por um termo grego de menos importância ou eficácia? Se rhema fosse, assim, uma palavra tão poderosa como se pretende, acredito que João teria escrito:
“No princípio era o rhema. Ele o rhema estava com Deus, e o rhema era Deus”.
Veja se na sua Bíblia diz isso.
1 GINGRICH, F. Wilbur e DANKER, Frederick W. Léxico do N.T. Grego/Português. São Paulo: Edições Vida Nova, 1984.