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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Tenho dúvidas, graças a Deus

O papel da dúvida no ambiente da fé

A dúvida tem sido demonizada pelos cristãos desde que o movimento cristão sacudiu a religião do “olho-por-olho” e passou a demonstrar o que a fé era capaz de fazer na vida humana.

Dentre os textos mais conhecidos sobre a dúvida enquanto sentimento negativo, estão: Tiago, que disse: “... aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento” (1.6). Paulo, que disse que “... aquele que tem dúvida é condenado se comer, porque não come com fé; e tudo o que não provém da fé é pecado” (Rm 14.23) e sobre Abraão que “... não duvidou nem foi incrédulo em relação à promessa de Deus, mas foi fortalecido em sua fé e deu glória a Deus, estando plenamente convencido de que ele era poderoso para cumprir o que havia prometido” (Rm 4.20,21).

Jesus também destacou o lado ruim da dúvida assegurando que “... se vocês tiverem fé e não duvidarem, poderão fazer não somente o que foi feito à figueira, mas também dizer a este monte: 'Levante-se e atire-se no mar', e assim será feito (Mt 21.21), além da condenação a Pedro: "Homem de pequena fé, por que você duvidou?" (Mt 14.31).

Há outras ocorrências nas quais a dúvida é posta frente a uma ação de fé, demonstrando que nelas, nas ações de fé, a dúvida é um impedimento e uma reprovação. Mas tome o texto de Paulo sobre os alimentos, onde diz que “... aquele que tem dúvida é condenado se comer, porque não come com fé”. Se comer com dúvida, isto é, se agir com dúvida.

Há uma condicionante “se” que explica quando a dúvida é prejudicial, visto que a ação decorrente da dúvida é perniciosa, por ser ação contra a própria consciência que aponta noutra direção.

É clássica a dúvida se o Senhor iria ou não livrar Israel dos midianitas por meio de Gideão (Jz 6). Igualmente conhecidas são as indagações de Abraão sobre os critérios de distinção entre justos e ímpios na destruição de Sodoma (Gn 18). E o que dizer de Tomé, que foi transformado num ícone da incredulidade? Ao ouvir seus amigos dizerem ter visto o Mestre, adiantou: "Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei" (Jo 20.26).

O que vejo em comum na dúvida de Gideão, de Abraão e de Tomé é que eles não tomaram qualquer decisão, não se posicionaram e nada fizeram sem antes estarem seguros sobre o ponto da fé em questão. Gideão não foi para a guerra em dúvida; Abraão percebeu a grandeza da justiça de Deus na execução do juízo e Tomé não arriscou depositar sua fé em alguém que para ele era desconhecido: o Senhor ressurreto.

A dúvida por si, à parte de uma ação, apresenta-se como um estado saudável para o espírito, pois ela protege das decisões erradas, enganosas. O espírito que tem dúvida procura em Deus a sua clareza e, esta sim, uma vez manifesta, dissipa as trevas da insegurança para dar-lhe a iluminação da fé.

Condenadas devem ser as ações realizadas sob o domínio da dúvida, aquilo que fazemos insistindo contra a nossa própria consciência, forçando as nossas defesas, desprezando nossas convicções. A reprovação do pecado não está no comer, mas no comer com dúvida, pois “tudo o que não provém da fé é pecado” (Rm 14.23).

Tomé é lembrado quando o assunto é dúvida. Mas foi redimido por ser a expressão do cristão que não quer crer em qualquer coisa que lhe digam, em qualquer boato. Além da palavra de alguém, ele quer a experiência própria, pessoal, intransferível, que também será o seu porto seguro quando a sua fé for provada.

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