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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Espiritualidades contemporâneas


A fim de indicar a possibilidade de diferentes conceitos de espiritualidade discutidos hoje, dentro de cenários culturais e religiosos diversos, há dois textos recomendados pela academia. Um, de Ana Maria Tepedino, Espiritualidade: relações e conexões, parte do ponto de vista feminino e resvala na convicção de que questões milenares do âmbito social, de gênero (masculino x feminino), políticas e até mesmo econômicas podem ser resolvidas com a correta compreensão e formulação de uma nova sensibilidade espiritual, um ecocentrismo em vez de egocentrismo e a consequente promoção da saúde humana, social e, evidentemente, espiritual.


O outro texto, do Rev. Ricardo Barbosa de Souza, Espiritualidade e Espiritualidades, trilha um caminho bem diverso. Busca as raízes históricas da perda humana da espiritualidade, perda esta ocorrida após uma saudável explosão do cultivo desse aspecto da vida humana (e da própria relação com Deus e consigo), nos primeiros séculos da era cristã, passando pelo período monástico, medieval, escolástico e Reforma, desembocando no Iluminismo, quando a racionalidade sufocou a procura pelo significado espiritual do homem.

Mas esse “sufocamento” não passou desapercebido. O espírito humano “mandou a conta” por meio de uma sociedade sem referencias seguros e duradouros, emocionalmente doentia e desconectada da realidade mais ampla da vida, na qual são contemplados os elementos sociais, pessoais e transcendentais da experiência humana.

Identifico-me mais com a segunda proposta, pois diferente do primeiro texto, não aborta o olhar para do ambiente religioso – ao contrário – olha por meio da história e de seus desdobramentos sociais, mas usa as lentes da espiritualidade bíblica. O primeiro texto, apesar de ser apresentado por meio de um discurso que abusa das expressões e modismos mais atuais, lança um olhar para o alto sem ter lançado um fundamento para isso. Parece estar revestido de uma “aura” pós-moderna, com preocupações características do século 21, mas não trabalha com a herança recebida, e que nos legou a atual situação e configuração das coisas.

Assim, entendo que uma espiritualidade que faça sentido no século 21, não pode desconsiderar o homem, a compreensão que tem de si, mas partindo de um referencial adequado, qual seja, Deus. E que Deus ou que perspectiva de Deus? A partir da revelação contida na Palavra de Deus, na teologia cristã. A teologia cristã e sua ascendência (os textos bíblicos) lidam com aspectos emocionais e racionais promovendo a restauração do equilíbrio necessário para a formação de uma pessoa.

Essa pessoa, decorrente do exercício da espiritualidade que procura na teologia cristã o seu tutor, resultará num cidadão que vê a Deus, o próximo e o mundo no qual todos vivem e convivem harmoniosamente, como o ambiente social onde deverá ocorrer a manifestação da sua própria espiritualidade. Explico melhor. A reflexão teológica que parte da perspectiva cristã irá formar cidadãos para o mundo. Não irá formar cristãos para atuarem em seus guetos. A reflexão teológica cristã aponta para o valor da espiritualidade em função não de si mesmo, do isolamento, do sectarismo e alienação. Antes, leva a ver o mundo de Deus, com esse Deus presente, com as demais criações e criaturas de Deus.

Essa pessoa cuidará de promover a pacificação, terá um olhar ecológico, verá a Deus no próximo e a necessidade de estender a ele a misericórdia (que em última instância é proveniente de Deus). É nisso que se distingue a espiritualidade cristã. Ela não vê nas estruturas, nas demandas atuais e nos problemas pontuais o sinal de advertência. Ela faz uma leitura mais ampla e eleva o pensamento humano para, por meio dessa altitude, poder ver melhor e mais distante.

Para mim, espiritualidade é a prática de uma vida inserida na dinâmica social, que considera ou que leia o mundo e suas demandas com os olhos da Palavra de Deus. É ter a mente de Cristo e pensar os pensamentos dele nas tomadas de decisões em questões pessoais, religiosas, profissionais, sociais e políticas. É viver no mundo sem tirar os olhos de Deus. É como expressou o autor da carta aos Hebreus: “Olhando para Jesus, o autor e consumador da fé”, ou como orou Josafá, “Os nossos olhos estão postos em ti”. Josafá, rei, responsável pela segurança de Israel, estava cercado por três exércitos inimigos, mas mesmo assim não deixou de considerar a possibilidade da atuação e intervenção de Deus em sua causa militar.

Conseguir manter, nas mais diversas situações, a confiança em Deus, a presença diante dele e o equilíbrio que decorre essa postura é o objeto da espiritualidade, sua razão de ser e o seu objetivo.

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