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terça-feira, 20 de julho de 2010

Espiritualidade em busca de sujeitos


Quero comentar dois textos que podem ser chamados de síntese – cada um na sua respectiva área – do espírito distinto que rege ocidentais e orientais. O comércio do sagrado, do Pr. Dionísio Oliveira da Silva, é o retrato puro e simples da pragmática norte-americana. Embora não reflita com cem por cento de acerto a espiritualidade brasileira nem latino americana (ainda que parte dela), traz consigo a marca do sentimento popular, das ânsias e desejos, tanto dos americanos do sul quanto dos do norte.


Em determinados pontos do texto podemos identificar claramente o espírito malandro, o jeitinho, tão característicos do nosso povo, e também a própria idolatria tão característica de uma nação colonizada por católicos e amamentada por africanos, com suas práticas rituais. A caricatura que o autor faz da identificação da divindade com a mercadoria (no mercado) é a mais pura representação do rumo (e por que não dizer da práxis) que hoje algumas igrejas tem experimentado. Há quem vá dizer que isso é reflexo direto da importação da teologia dos EUA. Outros, por sua vez, dirão que é a precária cena social no nosso próprio continente que demanda esse tipo de busca, uma vez constatada a falência do Estado para dirimir questões que são (ou seriam) da sua esfera de responsabilidade. Ambos tem a sua parcela de razão.

No entanto, não podemos negar a culpa, por assim dizer, do sujeito, do negociante. As teologias e as espiritualidades não nascem por si; são elaboradas por alguém em função da sua relação com o outro (e muitas vezes até com a divindade!). Assim, o sujeito da ação é, ao menos em última análise, o responsável por esta demanda. Não houvesse interesse, busca, resposta, esse discurso materialista, pragmático, mercantilista não teria ecoado e se avolumado no cenário religioso, no terreno do sagrado, na esfera onde deveríamos encontrar refúgio para os cansados. Mas não, houve uma importação dos interesses pessoais para a mesa onde a ceia da comunhão com o espírito estava sendo celebrada. E o pão que deveria ser uma representação da presença de Deus passou a ser o objeto da adoração.

Já o outro texto, com a pauta oriental em suas construções, vai cumprir o papel que lhe cabe, qual seja, expressar a sensibilidade, a serenidade e a leveza do pensamento e comportamento orientais. Este, no entanto, tem um tempero mais agressivo que o habitual. A experiência religiosa e a meditação, de Jiddu Krishnamurti, trabalha a conceituação dos termos propostos no seu título (experiência religiosa e meditação), fazendo contrapontos com o que não é experiência religiosa e a compreensão do que é a meditação. Claramente vê-se aqui um ataque com luvas de pelica ao – e novamente ele – pragmatismo ocidental e ao espírito de urgência alimentado e cultivado por cada um de nós. Mais que isso, ataca-se toda e qualquer forma de religião, organização religiosa ou os “gurus”. Falha o autor, pois ao pretender apontar o caminho, qualquer que seja, faz-se ele mesmo de guru. O texto é pontuado de contradições em suas conceituações e contradições internas (uma afirmação contradiz outra logo em seguida).

Ele não quer lidar com a religião e ataca frontalmente o objeto da religião e da espiritualidade ocidental (Deus), afirmando que se trata de projeção da mente. Não é possível, segundo ele, conhecer nem experimentar a divindade, qualquer que seja, pois como podemos experimentar algo que não sabemos de antemão como é? Assim, segundo ele, fica comprometida também a própria experiência religiosa. Mas o que ele coloca no lugar de Deus em seu texto é o próprio homem, e o homem que medita. Medita como? Novamente ele ataca, e agora o seu próprio ninho, os gurus da meditação zen, meditação transcendental etc. Para o autor, são “vendedores de sistemas” e “sistemas mecanizam” o homem em vez e libertá-los.

Qual a saída? “Comprar o pacote” que ele vende e, com isso, vejo um ciclo vicioso do qual ele não sairá facilmente; não neste texto. Pois o que faz em seguida é oferecer o seu sistema, embora dando-lhe outro nome para “evitar” ser confundido com o que ataca. Não estou mergulhado na cultura oriental, mas pareceu-me ser a versão asiática da pragmática e do comércio do sagrado.

Para concluir, gostaria de apontar algo que achei muito proveitoso, quando trata do modo como lidar com a memória, com as experiências e os pensamentos. O autor vai propor um “olhar para fora”, para fora de si em busca do belo, do ideal. É possível, aqui, para o cristão, refletir sobre o próprio significado da ecclesia, que nada mais é do que “sair do meio” (no caso, o sistema judaico). Ao menos nas obras que tenho lido, pouco se fala sobre esse ponto (devo confessar que leio pouco sobre o assunto e quando o faço, leio autores ocidentais).

A proposta é, ainda, muito similar ao conceito de kenose cristão, o esvaziar-se de si mesmo, a exemplo do que faz Jesus e que Paulo narra em Filipenses 2.5-11. Talvez o que ficará da leitura desses textos são o alerta para a materialização exacerbada que ocorre no comércio do sagrado e essa questão que acabei de apontar, da necessidade de um esvaziamento dos próprios interesses, das próprias ganâncias tão nossas e que prejudicam não outros, mas a nós mesmos. A troca de experiências com os orientais deveria, sim, ter algo a ensinar.

Um comentário:

  1. Caro Magno,

    lembro de você com carinho, pois vi que tornou-se um grande homem. Parabéns pelo seu Blog, e eu não sou protestante, aliás não tenho religião, mas acredito no poder de DEUS e temo a força dele. Continue assim, um forte abraço e até mais meu velho amigo...

    TONINHO

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