Páginas

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Considerações sobre a santificação

A percepção do judeu sobre a santificação passa pelo caráter exterior daquilo que pertence ou que foi consagrado ao Senhor dentro dos seus termos – a Terra Prometida, Israel e seu local de culto – Jerusalém. No Novo Testamento, o povo de Deus não está circunscrito a um lugar fixo, a uma terra ou região. Deus chamou pessoas de todos os povos e nações e fez dos chamados um só povo, independentemente de cor, raça, cultura e posição social. Mas há uma diferença entre o povo de Deus no AT e no NT: a localização geográfica.

Agora os salvos estão “entre” as nações as quais antes não poderia sequer haver qualquer relação. Isso demonstra uma mudança radical no modo de interpretar diversos conceitos, especialmente o conceito de espiritualidade, e interferirá no modo como se desenvolve a própria santificação.

É possível notar a dificuldade em ter uma terra santa, um monte santo, um tabernáculo santo, um templo santo. A solução divina foi mais radical: em vez de habitar no meio do Seu povo (ou entre o povo), Deus habitaria “dentro do seu povo” a fim de realizar a santificação:

“E eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sempre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem, pois ele vive com vocês e estará em vocês.” (Jo 14.16,17)

O Antigo Testamento fala muitas vezes da santidade de Deus; o Novo Testamento fala muitas vezes da santificação do crente.

No Novo Testamento a ideia da santificação é igualmente relevante e mais desenvolvida e a sua abordagem é feita de maneira diferente. Jesus não fala muito em santificação, mas o código de moral e ética encontrado no Sermão da Montanha nada mais é do que o retrato daquilo que Deus Pai espera que seus filhos sejam: santos e éticos.

No entanto, quando Jesus fez a oração sacerdotal em João 17 ele reafirmou que santificar-se é separar-se, e que a santificação dos cristãos não acontecerá como a de Abraão, fora do alcance dos pecadores – sai da tua terra –, pois agora haverá discípulos seus em toda parte por toda a terra:

“Não rogo que os tires do mundo (ek tou kosmos), mas que os protejas do Maligno. Eles não são do mundo, como eu também não sou. Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (Jo 17.15-17)

A santificação referida por Jesus ocorre no contato com a Palavra de Deus, e esta Palavra é conhecida por meio da pregação do Evangelho. Não há outro meio pelo qual possamos ter contato com os pensamentos de Deus, com seus conselhos e com seus conceitos, especialmente o da santidade e a ideia da santificação senão por meio da pregação do Evangelho. Dependendo dos temas que um pregador habitualmente desenvolve, dependendo dos temas que uma igreja habitualmente adota, jamais haverá santificação nos ouvintes.

Uma igreja ou pregador repetitivo, insistente em determinados pontos ou ideologias, doutrinas ou filosofias, jamais produzirão uma mensagem que leve seus ouvintes a serem despertados para a importância e necessidade de santificação. Não é de hoje que temos notícias sobre líderes de ministérios que proíbem seus obreiros de falarem contra o pecado, por entenderem que mensagens com esse teor “incomodam e afugentam” os ouvintes. Sua filosofia de trabalho diz que os membros devem se sentir à vontade, devem sentir-se “bem”. As pessoas não vão à igreja para serem incomodadas, mas para encontrar encorajamento. Se ouvirem sobre seus pecados elas não retornarão.

Dessa forma, a palavra pecado, quando não é abolida, deve ser amenizada com termos como “desvios de comportamento” ou “conduta inadequada”. Os conceitos bíblicos são substituídos por categorias da psicologia, da psicanálise, da sociologia, da estatística e até por conceitos corporativos. De acordo com o discurso proferido, jamais alcançarão eficazmente os doentes que procuram um médico, mas pessoas doentes que preferem um placebo ou mesmo um chazinho, mas jamais uma cirurgia definitiva.

Por Magno Paganelli. Adaptado do capítulo “Santificação e espiritualidade no relacionamento com Jesus”, da obra Espiritualidade para o Século 21 (Fonte Editorial, 2012), vários autores.

A tríade terapêutica e as verdades escriturais

Profissionais da área de aconselhamento, no início dos anos 1960, identificaram três aspectos ligados ao relacionamento humano, cujos efeitos tinham o poder de curar sentimentos, emoções, traumas, enfim, possuíam efeito terapêutico. Esses três aspectos são: a empatia exata, a autenticidade e a dedicação não-possessiva.

A empatia exata é a sensibilidade que alguém possui com relação ao sentimento do outro e às suas necessidades de encontrar alguém para compartilhar e dividir a carga sob a qual está.

A autenticidade tem a ver com o conhecimento que temos a nosso respeito e a disposição e facilidade que temos de demonstrar isso às demais pessoas, sem reservas, sem bloqueios.

A dedicação não-possessiva é o aspecto terapêutico que permite à pessoa necessitada interagir com outro sem que para isso precise omitir suas deficiências e erros. É aceitar os outros como de fato são sem impor-lhes uma carga ainda maior de regras e obrigações.

Os pesquisadores chamaram a esse tripé de tríade terapêutica e observaram que a aplicação desses fatores nos relacionamentos humanos possuía um importante elemento: eles promoviam a cura.

Fazendo uma leitura de cada um dos elementos da tríade terapêutica, podemos apontar nas Escrituras três verdades bíblicas correspondentes e que aplicadas ao relacionamento promovem o mesmo efeito: cura. São eles:

Misericórdia. A misericórdia, semelhante à empatia exata, é capacidade humana de sentir compaixão pelo sofrimento alheio. Usando a linguagem bíblica, é “chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram” (Rm 12.15).

Verdade. A verdade é a capacidade de expressar, verbalmente ou não, aquilo que somos e os fatos como são, sem retoques, sem omissões, sem reservas. A Palavra de Deus é a verdade (Jo 17.17) e o cristão deve ser moldado por ela. Portanto, esse é mais um aspecto bíblico correspondente a um elemento da tríade terapêutica que é a autenticidade.

Graça. Por fim a graça, favor imerecido, como gostamos de definir, e como de fato o é. Graça, segundo ouvimos nas igrejas desde pequenos, é dar o que não é merecido. Faz relação com a dedicação não-possessiva.

Análise de exemplos bíblicos

Vejamos, então, cinco exemplos bíblicos que envolvem os elementos misericórdia (ou empatia exata), verdade (ou autenticidade) e graça (ou dedicação não-possessiva).

O primeiro caso é a clássica multiplicação dos pães. Jesus, tendo acabado seu discurso, vendo a multidão faminta e sendo já a hora avançada, diz o texto bíblico: “Tenho compaixão desta multidão; já faz três dias que eles estão comigo e nada têm para comer. Não quero mandá-los embora com fome, porque podem desfalecer no caminho” (Jo 15.32). Jesus teve misericórdia dos seus seguidores e providenciou alimento, realizando o milagre da multiplicação dos pães e peixes.

Ele poderia simplesmente ignorar a situação, uma vez que seus seguidores estavam atrás dele espontaneamente, por vontade própria. Mas, ao sentir compaixão, promoveu o bem-estar das pessoas e restaurou inclusive uma possível desconfiança com respeito ao sentimento que Ele nutria em relação à multidão. Não são poucos os textos bíblicos que descrevem Jesus sentindo compaixão das pessoas (Mt 20.34; Mc 1.41; 6.34; Mc 8.2 entre outros)

O segundo caso está registrado em Romanos 9.15,16 (citação de Ex 33.19): "Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão. Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus". Segundo essa passagem, Deus é a própria fonte de misericórdia, uma vez que parte dele a iniciativa de estender ajuda (ou misericórdia) ao necessitado, sem que este demonstre ou se esforce para demonstrar sua própria necessidade.

A terceira passagem é sobre verdade. Creio que a primeira demonstração de verdade, semelhante ao segundo caso, é a declaração de Deus feita a Moisés, que diz: “Eu sou o que sou” (Ex 3.14). Essa é, sem dúvida, a maior expressão da verdade, Deus manifestando-se sem reserva, ser ocultar qualquer que seja o aspecto de sua própria personalidade e caráter. É certo que Deus é verdade absoluta, o que não o somos, mas precisamos basear nossos esforços para imitá-lo, vivendo em verdade e em amor.

A quarta passagem que analiso é a passagem de João 4, onde Jesus aproximou-se de uma mulher samaritana quando esta retirava água de um poço. Segundo pode-se entender, o fato daquela mulher ter possuído tantos maridos, implicava em uma severa rejeição social. A história conta que as mulheres retiravam água daquele poço no final do dia, quando o sol estava ameno. Mas aquela mulher cumpria sua tarefa no ardor do sol em sua maior força, sabendo não haver outras mulheres ali que poderiam humilhá-la e rechaçá-la. Jesus, numa demonstração de graça, não só aproxima-se de uma mulher (outro Rabino como ele não faria isso), samaritana (outro judeu não faria isso) e mulher que teve vários maridos (qualquer outra pessoa da sociedade não faria isso). Incrível a demonstração de graça curadora demonstrada por Jesus.

A última passagem é também identificada com o Senhor, e uma passagem que gosto muito: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus” (Ef 2.8). A cura eterna da alma humana pecadora é levada a efeito por meio da graça divina que dá o que não merecemos: o Salvador Jesus.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A sua alma também está armada?

Há algumas semanas o "blogmarketeiro" Sergio Pavarini lançou um livro usando o título homônimo à música de O Rappa. Não li, mas deve ser um bom livro, pois o "Pava" é um cara inteligente.
Esta afirmação "a minha alma está armada" é bem aplicada a muitos cristãos evangélicos. A minha mesmo já esteve beeeemm armada há um tempo. Eu a estou desarmando aos poucos. Os blogs, perfis no Facebook e o tuítes têm revelado a nossa alma armada. A democratização possibilitada pelos espaços na Internet permite-nos abrir o paiol quase que em tempo real.
E o que encontramos? Ataques, fogo cruzado. Gente atacando gente, crente atacando crente, lavando roupa suja globalizadamente. Pessoalmente sou contra ataques pessoais. Discutir ideias, posicionamentos, entendimentos, sim; mas dói ver irmãos denegrir a imagem de pessoas com as quais não concordamos ou não as quais não pensam como nós.
Vejo essa prática muito enraizada na ala da Igreja que se diz apologética. Penso haver certa confusão sobre o que é apologética. Apologética era, nos primeiros séculos do Cristianismo, a atividade de defesa da fé frente aos pensadores de fora, não aos de dentro. Discussão interna era chamada polêmica, e o cristianismo teve lá seus bons polemistas, que não necessariamente ficaram conhecidos como apologistas.
Alguém dirá: "Mas fulano escreveu uma heresia grosseira!" Não vejo isso como motivo para atacar ninguém publicamente, não nós cristãos. Lembro de ter lido Jesus dizendo que, nalguma ocorrência com irmãos, chame-o à parte e... Mostre uma linha do Novo Testamento ensinando a "delação premiada". Além do mais, penso que mesmo a defesa da fé deve ser feita junto aos irmãos da própria igreja. Se alguém está de fato preocupado com tal e tal heresia de fulano e beltrano, que ensine na sua igreja o que entende ser o certo. Ponto.
A mim essa jogada de espalhar penas no alto do morro cheira a endomarketing, recurso muito usado para atrair acessos a blogs e seguidores no Tweeter, amigos no Facebook. Falar mal dos outros dá audiência.
Eu sei que dá. E antes que alguém recorde o imbrólio "Myles Munroe" que participei ano passado, eu mesmo antecipo. O artigo que escrevi acusando as deficiências teológicas pregadas por ele na igreja a qual eu era responsável pela Escola Dominical foi escrito para responder aos muitos questionamentos que me foram feitos sobre a mensagem. A proposta era dar uma resposta aos meus alunos (tínhamos quase quinhentos na EBD). Além do mais, meu blog nunca teve lá tantos seguidores. Mas o artigo descendo o sarrafo no gringo rendia mais de cem acessos diariamente (quando a média era dez, doze). Pensei que a Globo me contrataria. Resolvido o caso, pessoalmente retirei o texto, mas jamais fiquei imploranto a ninguém para "retuitar, pelo amor de God".
No Tweeter eu deixei de seguir um que fazia isso a cada dez minutos, mas tenho visto outros tantos seguindo a mesma cartilha. E o Gondim tem sido o boi de piranha. Hoje escrevi que os adversários dele estão dando tiro pela culatra atacando-o incessantemente. Não demorou para eu ser atacado. Agora eu, que não sou advogado do Gondim, mas fiquei injuriado com a exegese que fizeram das suas declarações, também virei alvo da alma azeda (para usar a expressão gondiniana) e armada. Vi num blog (mas não tive estômago para ler) uma verdadeira exegese dos artigos do Gondim. O autor fez como um comentário bíblico: a citação em destaque e o comentário, alinhavado com remissões e citações outras. Impressionante!
Mas eu não estou falando mal do Gondim; é bom esclarecer desde já, antes que façam HEREgese do meu artigo também. Eu acabei de relançar dois livros dele, que eram de outras duas editoras e vou lançar mais um. Como posso atacar o autor?
Faltou algo para fechar a conta.
Faltou um pouco de paz. Falta paz, entre outras coisas, a nós cristãos. Nós não somos pacificadores, somos manipuladores e desagregadores. E temos sido conhecidos por isso, essa é a imagem que temos passado para os de fora, não a imagem da unidade constante da oração de Jesus em João 17.
Eu quero paz, ao menos com os domésticos da fé.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

História e Tradição: qual o problema com elas?

Não podemos confundir história com tradição, pois não são a mesma coisa. História é a narrativa dos fatos, ainda que tal narrativa seja unilateral. Diz-se que após uma guerra os vencedores contam a História, ou seja, narram os fatos como lhes convém. A tradição não tem a ver com a narrativa dos fatos, mas com a preservação das práticas, a partir de uma interpretação dos mesmos (ou das conveniências). Uma está contida na outra, a tradição está contida na história e a história traz à memória a tradição.

O Cristianismo, à parte o seu elemento sobrenatural (transcendental), é histórico (apoiado por fatos) e tem histórias, boas e más. Mas o Cristianismo também tem, dentro de sua história, tradição; melhor, várias tradições. Tradição católica, tradição ortodoxa, tradição copta, tradição armênia, tradição protestante. Cada uma dessas tradições também traz suas variantes, ou seja, a história é uma, a tradição não. Dentro da tradição católica é possível identificar variações da prática, isto é, a tradição pode se ajustar em função de atenuantes.

Não há como romper com a história: ele ocorreu e ponto. Há como romper com a tradição. Lutero talvez seja o ícone dessa ruptura. No entanto Lutero, rompendo com a tradição, manteve-se na história – e fez história! Não há como escapar. O monge alemão entendeu que aquele modelo, aquela práxis, já não amparava as convicções que ele sustentava a partir da sua leitura da Escritura. Ele, então, rompeu com a tradição e entrou para a história.

A história é história por si e pode ser revista, aclarada. Tradições são mantidas por movimentos, e movimentos são estimulados por aqueles que avançam numa direção. No Brasil temos o movimento reformado, o movimento gospel, o movimento carismático, o movimento pentecostal, o movimento evangélico, o movimento liberal, o movimento da libertação – que já não se movimenta tanto e encostou na teologia pública tentando avançar um pouco mais. Há outros.

Quando perdem suas forças, obviamente, os movimentos param, ou ficam agonizando, como o movimento liberal da teologia no início Século 20 (o liberalismo decorrente é que insiste em vingar no Brasil). Quando alguém não quer mais mover-se numa direção, muda de movimento. Ou para. Mas todos estamos – se estamos caminhando – num movimento. Não podemos, isso sim, é sair da história. A história se mantém, segue, abarcando os movimentos e denunciando tradições espúrias, desequilibradas e incoerentes. A história tem esse “dom da revelação”.

Jesus disse que parte dos judeus invalidava (distorcia) a história (das palavras de Deus) valendo-se da tradição (das palavras humanas). Dado momento a tradição quer sobrepujar a história e fazer-se maior; algo como o episódio do Diabo querendo usurpar o trono de Deus. Talvez por isso o Diabo “curte” algumas tradições. Mas a história sempre será maior que o movimento e maior que a tradição. A maior duração de um movimento o torna tradição, mas nunca história. Lembram do G-12? Virou história... agora é passado.

Portanto, quando pensamos interpretar a Palavra de Deus (que se revelou na história), não podemos abrir mão de considerar a história. A tradição é uma circunstância se comparada à história; é temporal. A história não. A tradição considera comportamentos temporais, circunstanciais, tendências, convergências localizadas, culturas. Isso não acontece com a história, já que ela é ampla e por isso mesmo nos faz ver à distância; favorece a imparcialidade.

Hoje podemos, olhando para a história, avaliar melhor os erros cometidos nas tradições. Às vezes chamamos “erros históricos”, não porque a história errou, mas porque foram erros que “entraram para a história”, por terem origem n’alguma tradição. Quer conferir? Leia a história.

E por que o texto? Para indicar que erramos menos quando consultamos a história, toda ela, antes de abraçar movimentos e criar tradições. Há muitos erros que poderiam ser evitados em nossa vida, e particularmente na vida cristã, se olhássemos com maior cuidado para a história. Deixaríamos de cometer enorme lista de erros apenas por observar a história. Mas envolvemo-nos em movimentos que anunciadamente não darão em lugar algum, apenas por descuido da história. Não há nada “muito” novo debaixo do sol.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Apresentação do livro na Metodista

No dia 7 de março estaremos na Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo - São Bernardo do Campo/SP, discutindo sobre Cristologia a partir do livro CRISTOLOGIA PROTESTANTE NA AMÉRICA LATINA, lançado pela Arte Editorial (No Tweeter @ArteEditorial). além do autor, o debate terá a participação dos alunos de Teologia da UMESP e a mediação do Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro, prefaciador do texto.

Espiritualidade para o Século XXI, obra da qual sou coautor.

Se não conseguir visualizar o texto, clique na imagem para ampliá-la.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Tempo

Deus me pede estrita conta do meu tempo,
E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta:
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje quero acertar conta e não há tempo.
Oh, vós que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo;
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta.
Pois aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo.

Frei Antonio das Chagas, Século 19.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Enjoo

Algumas experiências recentes têm frutificado em mim. Uma delas ocorreu ano passado num evento e deu ocasião a escrever o post A intolerância dos "tolerantes". Logo depois outra. Observei um amigo que investiu longos meses pesquisando e escrevendo um volumoso livro no qual condena alguns aspectos de determinada igreja. Mais que isso, ele chegou a pagar alta quantia em dinheiro pela impressão de milhares de livros, apenas para apontar o que ele entende ser herético naquela denominação. Não houvesse nada publicado sobre o tema, ainda vá lá; mas há muito material. É chover no molhado, imagino.

Mas a gota d'água que provocou em mim enjoo veio depois. Um "crente" – como crente até o Diabo é – recém chegado de uma viagem internacional que o levou a participar por uma semana de um congresso "abençoado" (suas palavras), já em seu primeiro dia no Brasil passou a tarde e a noite inteiras pixando a imagem de outro pastor através do seu blog e do Tweeter. Como pode alguém ficar uma semana mergulhado em cultos, mensagens, louvores e, logo em seguida, sair malhando alguém, ainda que não fosse cristão?

No último ano segui essa pessoa no microblog e notei como ela gasta tempo promovendo a própria imagem (e seu próprio blog) às custas de uma perseguição mesquinha àquele pastor e a uns outros que não pensam como ele. Trocando em miúdos, o negócio é falar mal, não importa de quem. É isso o que traz seguidores. Fale mal do Malafaia, e ganhe seguidores. Fale mal do Gondim e ganhe seguidores. Fale mal do Caio Fabio, e ganhe seguidores.

Essa cultura de que trata-se de “apologia”, “defesa da doutrina”, “volta à Bíblia”, é pura hipocrisia, lenga-lenga que serve de disfarce a pastor assalariado que não produz a salvação de uma alma sequer, e justifica o seu salário produzindo textos piegas, pobre, difamatório e teologicamente míope. Deviam ir procurar emprego, ir trabalhar como gente grande, em vez de posarem de pastores – que não são. Ouça certos programas de rádio e irá ouvir uma porção de vozes vinda dessa ala da Igreja. Claro que há apologistas sérios no Brasil, eu sei. Mas o infeliz desdobramento da apologia séria e comprometida tem fecundado nos ignorantes esse câncer, essa deformação no corpo cristão.

Enjoei. Enjoei muito. E confesso meu arrependimento se nalgum momento eu mesmo fiz isso ou promovi esse tipo de “cristianismo metido a macho” e desumano. “Metido a macho” porque quem o alimenta tem a alma intolerante, egoísta e ignorante, como os machos que se reúnem em botequins de esquina para discutir futebol, falar de mulher e contar vantagens sobre suas proezas domésticas, do tipo “quem manda lá em casa sou eu”. Enjoei de sites tipo “imprensa marrom” ou “tablóide britânico” travestidos de sites apologéticos. Repito: não são todos, há uma meia dúzia de gente séria, capacitada, produzindo bons textos nesta área.

Enjoei desse tipo de “cristianismo”, que percebo ser um arremedo da verdadeira religião, como concorda Tiago (Tg 1.26). É um falso cristianismo, ou melhor, um anticristianismo, inspirado pelo anticristo. Se isso é o que a Igreja produz “de melhor” estamos bem encrencados! Oxalá não seja. Tenho sinceras dúvidas se Jesus se daria o trabalho de morrer para que esses nojentos coronéis pudessem se sentar diante de seus teclados e passar o dia todo disparando frases com 140 caracteres contra tudo e contra todos. Será mesmo?

Teria sido mesmo necessário morrer para que nós criássemos uma apologética da destruição e da difamação, ávida e ligeira ao apontar o dedo contra quem pensa diferente, mas profundamente lenta e incapaz de mover uma palha em favor d’uma causa maior, mais nobre?

Enjoei mesmo. Enjoei desse movimento que se diz “apologético”. Não a apologia histórica, com raízes profundas, históricas e bíblicas. Enjoei dessa ala da Igreja que por incompetência de promover um diálogo de alto nível com o pensamento secular, onde as razões da esperança sejam discutidas, satisfaz-se voltando suas armas e sua pequenez para dentro da própria igreja, forçando para fazer cair aqueles que estão olhando para o alto, “tateando um caminho mais excelente”. Sinto que falta a essa turma um pouco mais da graça de Deus e menos do tribunal do Diabo. Esses não sabem nem o que fazem, pois na origem a apologia era a defesa da fé contra os ataques de fora. Muitos desses que se nomeiam “apologetas” são paroleiros e pseudo-escritores desatualizados, ultrapassados e com vocabulário bastante limitado para se enveredar na literatura. Perderam o bonde da história; não perceberam, ainda, que o inimigo é outro. Ele está lá fora, não aqui dentro.

Só para citar dois exemplos, o Islamismo tem investido 13 bilhões de dólares anualmente nas universidades dos Estados Unidos com o intuito de promover sua fé débil naquele país. O mesmo tem sido feito em relação a outras regiões do planeta. Cadê esses apologetas que nada falam sobre isso? Onde estão essas “maria-fofoqueiras”? Onde estão os defensores da sã doutrina? O movimento ateu, na Inglaterra e nos mesmos Estados Unidos, tem se fortalecido com o fim de realizar campanhas de difamação e promover o descrédito contra a Igreja. Cadê os ávidos escritores apologetas que nada falam sobre isso? Onde estão os “Nelson Rubens gospel” que não se posicionam frente a esses movimentos? Eles têm alertado a Igreja sobre o islamismo que já tem fortes bases no Brasil, no Paraná e em São Paulo? Estou seguro que não. Estão ocupados patrulhando a vida de pastores que estão trabalhando. Isso tem dado enjoo em mim.

Se eu puder aconselhar a você, leitor, minha palavra é essa: cuidado para não enjoar também. Fuja dessa gente; não vale a pena segui-los. De minha parte, prometo que farei o que puder para minar esse comportamento diabólico em nosso arraial. Não quero discutir a vida de irmãos, fortes ou fracos na fé. Discutir ideias e abordagens teológicas sim, sempre, com o intuito de aprender e crescer. Mas prometo não alimentar essa rede de difamação que se instalou na igreja brasileira, esse joio formado por gente inútil que nega a mesma fé que dizem professar. Quero combater esse falso cristianismo hipócrita, raso, que dispara fogo amigo e se promove denegrindo aquele por quem Jesus morreu (Rm 5.6; 14,15; 1Co 8.11). Fora com isso do meu caminho, pois esse tipo de fé me enjoa.

Você pergunta se eu não sou hipócrita também? Devo ser sim, mas arrependido.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Crucificação às avessas

“Crucifica-o! Crucifica-o!” Assim gritavam os judeus para que Pôncio Pilatos acelerasse o processo contra Jesus. Os judeus imaginaram ser Jesus uma ameaça religiosa e política. Tanto que ameaçaram levar um caso religioso a Roma política. “Se deixares esse homem livre, não és amigo de César” (Jo 19.12).

A popularidade de Jesus representava ameaça para a liderança do templo. Era preciso eliminá-lo e o meio era a cruz. Jesus atrapalhava – cruz para ele.

O que parecia uma crueldade (e de fato foi) trouxe a reboque salvação para o mundo. A crucificação colocou um ponto final ao drama da religião: que fazer para aproximar o homem do seu Deus? Jesus crucificado é o caminho.

A cruz foi transformada em trono para quem crê. Nela nos alegramos, porque se constitui a resposta de Deus para quem reclama ajuda do céu. A cruz foi transformada em tema de canções e livros, pauta para pregação, objeto de estudo e pesquisa. Ah, a cruz. “Virou” pingente de ouro, foi estampada na camiseta, colada como adesivo nos carros, talhada em madeira, gesso, prata, ouro, pedra. Arquitetada, ocupa praças e saguões de locais públicos. Houve a exaltação da cruz pelos pecadores carentes da salvação.

Mas – sempre há um “mas”, o tempo passou, alguém não percebeu essas manifestações e representações todas, nem ao menos o seu significado, e a cruz saiu da lista dos objetos de desejo e importância dos cristãos. A fusão dos desejos humanos mal resolvidos com o sentimento religioso natural da raça criou o ambiente para uma nova religião que escora-se no cristianismo, mas sem a cruz.

Os teólogos da nova religião nada sabem da cruz. A cruz atrapalha. De Bíblia são analfabetos, não lêem o relato da paixão de Cristo na cruz. Ou se lêem são sarcásticos, tanto ou mais que os judeus que gritavam “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Porque remover a cruz da religião cristã é condenar Jesus novamente à morte, é mandar Jesus de volta para Pilatos. Um cristianismo sem cruz é uma farsa, um arremedo.

Crer que Jesus morreu para dar vida boa a nós, marmanjos, é como dizer: “Morra, Jesus, para que eu prospere”. Crer que Jesus morreu para dar vida boa a nós equivale a apoiar a escravidão de latinos pela indústria da moda no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. É promover a desgraça de uns para o enriquecimento e embelezamento de outros. Enquanto uns são escravizados, outros desfilam seu glamour. Faz sentido isso? Claro que não. O cristianismo sem cruz é a mesma coisa: sem sentido.

Crer que Jesus morreu para dar vida boa a nós é como dizer: “Morra, Jesus, para que eu more bem”, “Morra, Jesus, para que eu troque de carro”, “Morra, Jesus, para que eu tenha melhor salário”.

Dizer-se cristão ou evangélico quem nada sabe da cruz e sua razão é crucificar tudo o que Jesus fez, é desmerecer o seu trabalho, o seu sofrimento e sua morte. Porque tudo o que excede o propósito estabelecido por ele, nega que ele tenha feito a coisa certa. Se acrescentar algo ao que Jesus fez, estarei dizendo que ele foi incompleto, insuficiente, e precisa de mim para completar a medida. Faço-me mediador, co-autor da salvação, ou... corretor de valores no balcão da igreja.

Siga-me no Tweeter: @magnopaganelli

Após dia 13 de março esses livros sairão do catálogo. Aproveite!

A Arte Editorial (http://www.arteeditorial.com.br/) há quatro anos tem uma parceria com a Mundo Cristão, a qual permite a publicação de obras que, antes esgotadas, sejam produzidas no modelo sob demanda (POD).
No próximo dia 13 de março essa parceria deixará de existir por uma decisão da detentora dos direitos autorais.
Assim, a dica é aproveitar enquanto os livros estão disponíveis em formato físico. Depois, só em e-book, segundo informação da própria Mundo Cristão.
A relação de títulos abaixo está sujeita à confirmação de disponibilidade.
Clique na imagem para ampliar. Envie os pedidos para editora@arteeditorial.com.br e um email informará dados para pagamento por depósito bancário ou cartão de crédito.
Todos os livros consultados neste blog e adquiridos terão desconto de 25%. Frete não incluído. Boas compras e boas leituras.